Gênesis 50

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O autor referencia o episódio da morte de Jacó, apontando para o quadro providencial redentivo traçado e executado por Deus, que revela a instrumentalização do mal nos planos redentivo do SENHOR em favor do seu povo.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 50
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
No último episódio da saga patriarcal, que desfecha também todo o livro de Gênesis, Moisés narra a morte de Jacó e as implicações disso para o desenvolvimento da saga redentiva. Os aspectos conceituais oriundos do falecimento do patriarca são usados como mais do que uma conclusão para o livro, mas, tal como já feito anteriormente (cf. Gn 45.5), os personagens envolvidos na trama deparam-se com a interpretação dos eventos à luz do plano soberano divino traçado e executado até aquele ponto.
Além disso, a presente seção contém pontos de contato com o início da narrativa de Gênesis, reforçando o princípio de que a saga patriarcal está diretamente ligada à algo maior. A história de Abraão, Isaque e Jacó, não foi um mero apêndice ou anexo à narrativa salvífica, mas está diretamente ligada a ela, sobretudo no intento divino de fazer sua revelação progredir, clarificando o percurso salvífico que culminará no ente prometido - cuja identidade fora ampliada, unindo tanto a promessa proto-evangélica de Gn 3.15, quanto a ênfase restauradora exemplificada pelo resgate de uma prole santa, conforme prometido em Gn 12.3 - e no apogeu da própria história: a salvação da criação do estado de queda a qual foi submetida por Adão, sendo levada à perfeita comunhão com o Deus Triuno, para sempre.
O trajeto percorrido por Jacó ao longo de sua vida (bem como de Abraão, Isaque e José) enfatiza a graça recebida da parte de Deus, de que as trevas de um caminho obscuro foram usadas como instrumento que ressalta a grandeza e sabedoria do Criador, trazendo glória ao seu nome e conservando em vida seu povo (cf. Gn 50.20).
Diante disso, a seção final do livro de Gênesis, explicita a sabedoria providencial divina na revelação do plano redentivo.
Elucidação
Dois aspectos perpassam a presente narrativa: um reforço conceitual da trajetória patriarcal (inclusive no que tange ao prosseguimento da história do povo oriundo de Abraão), e uma retomada de contornos antéticos, porém complementares, tendo como base a narrativa iniciada em Gênesis 3, no episódio da queda.
Esses aspectos são construídos a partir de uma divisão natural baseada no recontar dos eventos ligados à morte de Jacó: dos versículos 1 ao 14, a narrativa concentra-se nas cerimônias de velório de Israel, fornecendo uma conclusão à altura para o livro que, como dito, desenvolve a gênese do povo de Deus. Dos versos 15 à 21, a magnanimidade de José em relação aos seus irmãos é justaposta em contraste com a postura de Adão em Gênesis 3. Os personagens são colocados lado a lado de maneira representativa, a partir de suas posturas, diante do plano divino revelado, traçando um caminho perspectivo através do qual os eleitos de Deus podem observar o desfecho da história, mediante a chegada do segundo Adão.
Por fim, um apêndice que vai dos versículos 22 à 26 se encarrega de avançar a história tal qual as narrativas genealógicas anteriores que registram a morte dos personagens relevantes na saga redentiva. A morte de José encerra definitivamente o livro de Gênesis, mas, antes do fim de seus dias, ele lança a expectativa para o cumprimento da Aliança divina da redenção, quando replica a atitude de seu pai de que seus restos mortais não permaneçam no Egito, mas tornem à terra que por herança foi prometida à seus pais, como símbolo da pátria celeste que os aguarda.
Passaremos a analisar cada um desses desdobramentos referenciais do texto.
1. Relato fúnebre: Pecado - Queda - Morte (vs. 1 à 14)
Num primeiro momento, o contexto proximal da passagem fornece, como salientado, uma conclusão adequada para a morte de Jacó. O pranto de José inicia o relato, trazendo pesar ao leitor/ouvinte do texto. Porém, a ênfase e cuidado do autor de expor em detalhes o cortejo fúnebre encarregado de transportar Jacó ao campo de Macpela, onde foi sepultado Abraão e Sara, Isaque e Rebeca, e Lia, sua esposa, exibe um quadro mais amplo tencionado pelo autor para ser percebido por seu público-alvo.
Jacó é embalsamado, tanto seguindo um rito egípcio, quanto com vistas à que seu corpo suporte a longa viagem para Canaã, acompanhado por um extenso cortejo, tão grande a ponto de ser notado pelos povos habitantes das regiões por onde o cortejo passou (cf. vs. 9; 11). Os doze filhos de Israel cumpriram o desejo de seu pai, e José, tendo sido autorizado por Faraó a cumprir o que prometera ao patriarca, sepulta-o na terra da Aliança prometida a Abraão.
Entretanto, o teor da passagem, tal como afirmado anteriormente, abrange mais do que o relato da morte de Jacó. Observando a narrativa do ponto de vista da intencionalidade do autor, a temática da morte remonta ao contexto de Gênesis 3, em que como sentença contra o levante perpetrado por Adão, a interrupção da vida é executada sobre a raça dos homens, representados pelo primeiro casal. A consequência dos atos rebeldes de Adão, reverberam através da natureza humana ao longo das linhagens procedentes do primeiro homem, e com os patriarcas não é diferente. Assim como visto em Gênesis 5, nem mesmo a linhagem da mulher escapa da sentença divina de encerrar todos os homens sob o jugo da morte.
O progresso dessa consequência até Israel, relembra ao povo de Deus essa realidade, porém, a referência imagética do funeral de Jacó ao relato da queda em Gn 3, também resguarda um contraste que traz esperança e consolo ao povo de Deus, visto a partir da perícope seguinte.
2. A decisão de José: Obediência - Morte/Vida - Segundo Adão (vs. 15 à 21)
Após o fim dos dias de seu pai, um forte receio acomete os irmãos de José:
Gênesis 50.15 RA
Vendo os irmãos de José que seu pai já era morto, disseram: É o caso de José nos perseguir e nos retribuir certamente o mal todo que lhe fizemos.
A posição superior de José como governador do Egito, alimenta nos seus irmãos a noção de que ele tem o "poder" de efetivar vingança, por causa do mal que lhe foi feito no passado. Entretanto, a postura do grão-vizir de faraó surpreende a todos, e é exatamente nesse ponto que Moisés insere a antítese entre Adão e José a partir de três imagens contrastantes:
I. Ambos os personagens possuem uma visão satisfatória dos planos de Deus e de sua vontade:
Adão foi criado em perfeição, e portanto entendia satisfatoriamente que o desejo divino era estar com sua criação em comunhão plena (cf. Gn 2.15-17; 3.8). José compreende que a jornada sofrida e dolorosa que trilhou, o levara a ser instrumento da providência divina para salvação e livramento do povo de Deus (cf. Gn 50.20).
II. Adão, entretanto, usurpa o lugar de Deus, rebelando-se contra este (Gn 3.5-7). José, por outro lado, afirma que não está no lugar de Deus, e coloca-se no seu posto de instrumento dos planos redentivos do Soberano (cf. Gn 50.19).
A proposta sibilada pela serpente foi direta, e aceita por Adão em sua concupiscência de se tornar "como Deus" (Gn 3.5). Embora não tenha quisto tomar do Criador o direito de único soberano, Adão almejou arrogar para si uma condição que não possuía, característica apenas ao próprio SENHOR. José, de contra partida, é visto por seus irmãos como alguém poderoso o suficiente para agir contra eles. A possibilidade que ocorre aos dez filhos de Jacó (com exceção de Benjamin que não havia participado no episódio em que José é traído por seus irmãos) quanto ao que José pode fazer, elucida que tinham uma visão de que o governador do Egito estava numa condição de superior.
Todavia, José não age assim. Por compreender que a providência divina encaminhou a todos para o momento em que desfrutariam da salvação, sendo ele mesmo um meio usado por Deus para isso, José protesta contra o sentimento de seus irmãos, afirmando categoricamente que não está no lugar do Criador (cf. v.19 "acaso, estou eu em lugar de Deus?").
III. A ação de Adão acarreta morte e juízo sobre seus decendentes (cf. Gn 3.19). A obediência de José traz vida ao povo de Deus (Gn 50.20-21).
Adão, embora sabendo das consequências que viriam sobre si e seus descentes caso pecasse (cf. Gn 2.17), viola a aliança, e como resultado faz com que todos os homens estejam fadados à morte. José, em sua postura de obediência e humildade, testifica que a graça do SENHOR através dele, fornecerá vida aos descendentes de Jacó.
Como dito, o propósito do autor ao estruturar esse contraste imagético é consolar o povo de Deus. A história de Gênesis termina com a morte de Jacó e do próprio José. Porém, a apresentação de José como um "segundo Adão", reforça o caráter progressivo do plano através do qual o poder da morte terá fim.
Transição
Os atos de obediência e serviço do filho de Jacó, prefiguram em escala menor, a benção da vida a ser desfrutada por aqueles que contemplariam o levantar do Filho de Deus, o Messias: Cristo Jesus, o qual salvou não apenas 70 pessoas da fome, mas todos os eleitos chamados para sempre feitos filhos de Deus, da condenação eterna, pois como interpreta o apóstolo Paulo:
Romanos 5.17–21 RA
Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos. Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor.
A leitura de José de toda a história vivida até aquele momento, coroa o fim da narrativa de Gênesis, preparando também o percurso a ser trilhado pelos leitores quanto a narrativa por vir:
Gênesis 50.19–21 RA
Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim, os consolou e lhes falou ao coração.
A providência descortina para José e seus irmãos que a graça do SENHOR agiu poderosamente, inclusive através de seus pecados, para que o nome do Criador fosse glorificado por meio da salvação do povo de Deus. O mau que entrou no mundo em Gênesis 3 não foi um intercurso ou contingência inesperada que arruinou os planos de Deus. Assim como os irmãos de José, Adão intentou o mal, mas Deus haveria de transformar esse mal em bem, conservando em vida, através do Messias - Cristo Jesus - todos os seus eleitos, guiando-os de volta à terra da habitação do Criador: o cosmo restaurado.
Observando esse desfecho, os princípios reunidos e elencados por Moisés para instrução da igreja de Deus por meio do texto, podem ser listados a partir dos seguintes pontos:
Aplicações
1. Até mesmo o mau não está fora dos planos de Deus, e é usado para o louvor da glória do SENHOR no plano redentivo.
O povo de Deus, a partir desse texto, deve mudar completamente sua visão acerca da entrada do mau neste mundo. Vemos o relato de Gênesis 3 como uma grande catástrofe; a maior tragédia da história, donde todas as outras se originam. Porém, o que nós chamamos de tragédia, o SENHOR chama de instrumento. A partir da queda, toda soberania, sabedoria, poder, graça e misericórdia do Deus Triuno são expostas por meio de um complexo quadro, que vividamente nos convida a nos ajoelharmos diante da grandeza dos planos divinos.
Como dito, Adão intentou o mal, Satanás quis causar desordem e rebelião no Reino de Deus. Mas todos esses intentos foram convertidos no bem que hoje vemos: temos vida em Cristo, que veio a esse mundo para mostrar a glória do SENHOR no cumprimento de sua promessa.
No cerne de uma torrente de condenações e maldições, o coração do Evangelho foi exposto:
Gênesis 3.15 RA
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.
O mau no mundo nada mais é do que outro servo dos planos divinos, e em Gênesis 50, vemos que no meio da turbulenta confrontação do mal, o bem é evocado como fim inevitável. Deus triunfará sobre a revolta de Satanás, e a igreja receberá, inexoravelmente, a vida eterna, desfrutando de comunhão plena com seu NOIVO, para sempre.
2. Cristo, o segundo Adão, nos concede vida, através de seu ato de justiça e obediência à vontade do Pai.
Como visto no texto de Romanos, Adão, em seu ato de usurpar o lugar de Deus, fez cair toda a humanidade em desgraça e morte. José, sendo governador no Egito e tendo algum poder à sua disposição, não ousa colocar-se como Deus, e compreendendo e obedecendo aos planos divinos, é usado para dar vida ao seu povo.
Cristo, sendo o Criador com o Pai e o Espírito; o grande Rei de toda a terra, coloca-se voluntariamente à disposição do SENHOR, para ser aquele por meio de quem a vida eterna seria conquistada.
Assim como ocorre com o problema do mau, exposto ao longo do livro de Gênesis, no final das contas, não é a morte quem dá a palavra final, mas a vida em Cristo é o destino certo de todo aquele que nEle crê.
3. Nossos pecados, apesar de serem graves ofensas contra Deus e sua Lei, também são partes dos planos divinos, tornando-se em bem para nós, mediante ação soberana do próprio Criador.
Diante disso, precisamos entender que os nossos pecados também estão debaixo da providência divina. Naturalmente, isso não pode deixar de provocar em nós o arrependimento, pois sabemos que o pecado é transgressão à Lei de Deus.
Contudo, o consolo está em saber que não há pecado tão obscuro que seja capaz de minar nossa salvação.
No final, por mais que agora não compreendamos como, veremos o aperfeiçoamento gerado em nós pelo Espírito Santo, que até mesmo por meio de nossos pecados, nos faz ver o grandioso quadro da graça divina.
Conclusão
Em Gênesis 1, vemos a soberania de Deus na Criação. Em Gênesis 2, vemos a grandeza e majestade de Deus serem representados pela criação do homem. Em Gênesis 3, vemos essa soberania e providência serem aviltadas pelo pecado, e até o capítulo 49, enxergamos os efeitos da queda serem atenuados e expiados pela graça do Criador, pra que finalmente em Gênesis 50, tenhamos um panorama claro de que tudo o que aconteceu fazia parte do grandioso plano redentivo, através do qual Deus seria visto por todos como o Soberano e Gracioso SENHOR que a tudo governa, que assim como do nada fez tudo, das trevas e obscuridade do pecado, fez resplandecer sua glória na salvação do seu povo.