Gênesis 41

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O autor exibe o quadro conclusivo do processo de humilhação-exaltação do salvador, em que é apresentado como instrumento divino em seus planos de redenção do seu povo.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 41
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Progredindo a narrativa em que os planos redentivos do SENHOR para com seu povo estão sendo representados através da saga de Jacó e de seu filho, José, sendo este usado por Deus como instrumento para salvação do patriarca e seu povo, Moisés elabora a continuação da trama iniciada no capítulo 40, em que após ter baixado a prisão, José é usado pelo SENHOR como difusor de seus planos soberanos.
Preso no cárcere da casa do comandante da guarda de Faraó, a divina providência guiara José à presença de dois dos principais servos do rei do Egito, a fim de que por meio desse contato, o filho de Jacó estivesse no centro das circunstâncias que o encaminhariam ao próprio monarca. Em face dessa rota preparatória, um tópico reincidente torna-se aspecto preponderante da ação providencial de Deus: os sonhos.
O autor destaca a ocorrência de sonhos em face de cada episódio em que a saga de José alterna de sorte: num primeiro momento, antecedendo a traição de seus irmãos contra si e sua venda aos ismaelitas, o redator registrou a publicação dos sonhos de José a Jacó e seus onze filhos (cf. Gn 37.5-11). Posteriormente, após ser injustamente acusado e detido na prisão real, sonhos são revelados a José e interpretados por este (cf. Gn 40.6-19). Esses pontos de contato ao longo da narrativa, estabelecem um padrão ou "modus operandi" da ação divina, que antes de conduzir José para um novo episódio, usa desse meio para preanunciar a mudança no enredo.
Sempre que José é encaminhado a um ponto da sua história, em que estará mais próximo de atingir o clímax da narrativa redentiva vivida por Jacó, sonhos são apresentados como indicativo de que o curso seguido está exatamente de acordo com o planejamento do SENHOR.
Se visto a partir dessa perspectiva, principalmente levando em consideração o todo da saga, em que o texto em destaque é a última ocorrência de sonhos na trama, Gênesis 41 é apresentado como o momento de execução dos planos de Deus em enaltecer José, colocando-o publicamente como instrumento de seus propósitos embora, tal anúncio só alcançará Jacó e seu povo posteriormente.
Com isso, a ideia central do texto evidencia-se como a publicação da ação providencial redentiva na revelação e exaltação do Salvador.
Elucidação
O termo usado no início do capítulo 41 é análogo a expressão inicial do capítulo anterior: "Passadas estas coisas" (cf. Gn 40.1) - "Passados dois anos completos" (cf. Gn 41.1), e demarcam tanto progressão cênica, quanto conexão, tendo em vista a proximidade temática de ambos os textos (i.e. interpretação de sonhos e alteração da situação de José no Egito). Esse arranjo textual posiciona Gênesis 41 como continuação dos relatos anteriores, reforçando um aspecto em particular de ambas as narrativas: a ação soberana de Deus.
Ao iniciar a interpretação dos sonhos dos servos de faraó, José havia salientado que "as interpretações pertencem ao SENHOR" (cf. Gn 40.8), e embora a conclusão de que tais sonhos são revelações da vontade divina só apareça agora no capítulo 41 (cf. 41.25), a possibilidade de interpretação funde os eventos, e assim, o que pode ser dito do segundo episódio (i.e. os sonhos de faraó), pode ser aplicado ao primeiro (i.e. os sonhos dos servos) gerando uma única conclusão: Deus estava demonstrando o que haveria de fazer aos servos de faraó, como prenúncio do que faria ao próprio faraó e à toda terra do Egito.
Sob esse viés perspectivo, Moisés assevera o que já havia demonstrado (mesmo que implicitamente): todos os eventos estão concorrendo para o estabelecimento dos planos divinos de salvação de seu povo da calamidade. A importância da repetição desse tema é crucial para deixar claro a proximidade do povo de Israel pós-êxodo, com Jacó e seu povo no período anterior. Como Deus salvou Jacó e os seus providenciando um "messias" (i.e. José), e como foi na saga do êxodo (através do próprio Moisés), será finalmente (e de maneira perfeita e derradeira) com a chegada do verdadeiro Messias (i.e. Cristo Jesus), que os libertará do poder do pecado, e os levará à terra prometida (i.e. Canaã Celestial).
Porém, como é lógico a partir dessa noção, para que os planos divinos se concretizem, a revelação e exaltação do salvador à sua posição de excelência é uma condição sine qua non, e a peça que falta no tabuleiro da história redentiva. A narrativa da condução de José até faraó a fim de que interprete o sonho deste, serve a este propósito, pois agora a glória de Deus será evidenciada por meio da exaltação de seu servo.
Vendo o faraó perturbado com dois sonhos que parecem não ter interpretação, finalmente o copeiro-chefe lembra-se de que fora favorecido com a significação do sonho que teve enquanto na masmorra do comandante da guarda, e comunica ao rei do Egito o ocorrido, fazendo menção a José (cf. 41.9-13).
Faraó por sua vez, manda que tragam José à sua presença, e o questiona sobre suas "habilidades" de interpretar sonhos. Nesse ponto, o autor presenteia seus ouvintes/leitores com a confirmação da tese que vem abordando desde o início da saga abraâmica: Deus guiará seu povo ao desfrute da salvação, tal como prometido a Abraão, provendo um redentor. José exibe esse princípio quando afirma categoricamente ao rei do Egito: "Não está isso em mim; mas Deus dará resposta favorável a faraó" (cf. 41.16), fazendo com que o protagonismo divino fosse revelado em confirmação ao pacto salvífico.
A insistência de José em atribuir à Deus o controle sobre aqueles eventos, expõe seu compromisso de fazer a vontade do SENHOR. Esse sentimento, intensificado pelas palavras de subserviência ao Criador, também aproximam José a Cristo, tendo em vista que, ao longo de sua jornada, o Senhor Jesus assevera que o centro de suas ações e desejos é "fazer a vontade daquele que o enviou" (Jo 6.38). Essa ênfase na caracterização messiânica de José, eleva-o ao patamar de referência da história redentiva. O que antes estava sendo feito a partir das circunstâncias, isto é, se antes Moisés estava demonstrando que a narrativa se enquadrava no centro dos planos salvadores do SENHOR para com seu povo, agora ele o faz através da própria identidade do personagem protagonista da trama, José, e isso, como dito, abre caminho para o que acontece a seguir.
Tendo interpretado os sonhos de faraó, que apontavam para uma grande fartura, seguida por uma intensa escassez em toda terra do Egito, a conclusão de faraó demonstra a constatação da posição de José como instrumento divino, principalmente após ter sido testemunha da sabedoria concedida ao filho de Jacó para dar um conselho que salvasse o Egito (e consequentemente a Israel) da fome: "Acharíamos, porventura, homem como este, em quem há o Espírito de Deus"? (cf. 41.37), e a partir desse ponto, todo um rito de exaltação é executado, e José, elevado sobre toda a terra do Egito, à quem se submeterão não somente aquele país, bem como outras nações: "E todas as terra vinham ao Egito, para comprar de José, porque a fome prevaleceu em todo o mundo" (Gn 41.57).
Transição
Essa imagem é vista pelo Texto Canônico como outro referencial de Cristo: tendo sofrido as duras penas por ser a ferramenta divina que promoverá a salvação, José agora ascende à posição de domínio, recebendo glória e admiração, sendo reconhecido por todos como o enviado de Deus. Cristo, após ter baixado às mais extremas condições de sofrimento, é erguido pelo SENHOR, recebendo um nome acima de todo o nome (Fp 2.9-11). José à direita do faraó, prefigura Cristo à direita do Pai: o servo humilhado, agora é exaltado e glorificado como salvador.
A participação divina é também exibida a partir dos nomes que os filhos de José recebe: Manassés (hb. "מְנַשֶּׁה" lit. "levado a esquecer") e Efraim (hb. "אֶפְרַ֫יִם" lit "eu serei frutífero") apontam para a benção do SENHOR que agora repousa sobre seu ungido: as dores que sofreu para ser o promotor do escape de seu povo da calamidade, não poderão se comparar a grandeza da salvação através dele executada.
Essa noção teológica do texto, proporciona a compreensão dos princípios exposto pelo autor divino/humano no texto em questão, quais sejam:
Aplicações
1. No plano redentivo, a glória de Deus na salvação do seu povo é atingida finalmente, através da exaltação do seu servo após a humilhação e sofrimento.
Das cisternas de Dotã, às masmorras de Potifar; O caminho de José foi árduo e doloroso, reservando-lhe além do sofrimento físico, a agonia de estar sendo injustiçado, traído e esquecido.
Porém, esse foi o caminho escolhido pelo SENHOR para guiar seu povo até a salvação. Ao final, a glória do governador do Egito exibiu claramente para todos os povos, que somente o SENHOR é Deus, e somente ele governa o curso do mundo, e especialmente, daqueles que estão em aliança com ele.
Numa escala muito maior e mais poderosa, Cristo é conduzido por uma caminho de mais intensa humilhação e agonia, sendo ao final glorificado, tendo seu trono posicionado à destra do Pai. Bruce Waltke, comentando a imagem referencial (i.e. tipológica) de José, usado como instrumento do SENHOR em sua demonstração de sabedoria e governo da história, afirma:
[José] prefigura Jesus Cristo, a sabedoria de Deus, que espantosamente é erguido da cruz ao governo do universo. Como todos recebem a ordem de curvar-se diante de José (Gn 41.34), assim "ao nome de Jesus todo joelho se curvará" (Fp 2.10) (WALTKE, 2010, p.667).
Agora, à Cristo, vão todos aqueles que tem fome, e crendo que somente ele é o Redentor e aquele que a pode saciar, são fartos com a graça da salvação.
2. A história da redenção e seu processo de humilhação-exaltação, configuram o molde que exibe como cada crente glorificará o Deus Triuno: experimentando, momentaneamente, dor e sofrimento, para no final ser glorificado para estar com seu SENHOR para sempre.
A dinâmica da jornada cristã, graças ao nosso Senhor Jesus Cristo, consiste em primeiro passarmos por um processo de aperfeiçoamento, por meio do qual estamos sendo moldados e preparados para a glória por vir.
Infelizmente, essa noção bíblica de ver nossa história, tem sido desvirtuada pelo triunfalismo do evangelicalismo moderno.
Das mais variadas formas, as pessoas empobreceram a importância de viver seguindo os passos do Messias, e hoje, o vitimismo parece expor algum sofrimento, buscando legitimar um enaltecimento rancoroso.
"Quem te viu passar na prova e não te ajudou, quando vir você na benção, vai se arrepender"; "Hoje você está sofrendo, mas prepare-se pois a sua vitória vai chegar" etc, essas e outras letras de cânticos pseudo-cristãos, contaminam a mente de muitos, os fazendo achar que isso é viver por modo digno do Evangelho que nos promete redenção, quando na verdade, o conceito de benção e vitória que é propagado por essa mentalidade triunfalista, consiste em usufruir apenas de bens materiais ou situação favorável nesse mundo.
Não é disso que trata Gênesis 41; não é disso que trata a Bíblia. As Escrituras nos mostram que a via crucis proposta para cada crente, é um trajeto de luta para fazer prevalecer a glória e majestade de nosso Deus, no combate contra o pecado dentro e fora de nós, que insiste em tentar furtar do Criador seu direito de regente do universo. A batalha cósmica que nos faz sofrer, não é mero capricho ou projeto humano, é o plano divino que inexoravelmente culminará com a glória do SENHOR, glória que será irradiada através de nós, quando no retorno de Cristo Jesus.
José não trilhou todo esse caminho, porque almejava algum tipo de "benção" ou "vitória", na verdade, mesmo esse fim tendo sido preanunciado a ele anteriormente (cf. Gn 37.5-11), ele jamais poderia imaginar que o percurso separado por Deus para ele, terminaria com sua coração como governador do Egito. O filho de Jacó apenas serviu ao SENHOR, e nada mais.
De igual forma, não estamos sangrando ao longo desse excruciante caminho que se chama "mundo", a fim de simplesmente obtermos algum favor que nos ponha em evidência, ou que nos proporcione exibir um troféu. Estamos vinculados pelo pacto da graça ao brilhante enredo da redenção, e nossos papéis nessa trama é servir ao SENHOR com tudo o que temos e somos, sabendo que sim, seremos glorificados no final, mas somente porque fomos usados como instrumentos da glorificação do nome do SENHOR. Disso retiramos forças para suportar as lutas e sofrimentos, pois não pode haver para o crente maior objetivo de vida do que dizer: "Não está isso e mim; procede de Deus" (parafraseando Gn 41.16).
Conclusão
Como afirma Timothy Keller:
O evangelho é a história definitiva que mostra a vitória nascendo da derrota, a força emergindo da fraqueza, a vida emergindo da morte e a salvação brotando do abandono (KELLER, 2016, p. 263).
As masmorras frias do Egito, não puderam impedir que o filho de Jacó fosse publicado como salvador do seu povo. Tampouco a cruz poderia impedir o Filho de Deus de ser enaltecido como SENHOR da criação e redentor dos povos. A promessa de Abraão foi parcialmente cumprida em José, e totalmente cumprida em Cristo: nele foram benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3).