Gênesis 39

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 19 views

O autor agora traça o percurso progressivo da história de José e seu sofrimento, como vislumbre da graça preparatória que o capacitará a representar o Cristo e sua saga messiânica de salvação de seu povo.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 39
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Como visto anteriormente, o bloco duplo Gn 38-39, encerra a temática da representação messiânica prefigurada por Judá e José, como representantes de aspectos específicos relacionados a história da redenção e de seu executor.
A leitura realizada pelo autor, complementa a carga conceitual e exortativa que deseja expor aos filhos de Israel, referenciando a motivação divina em os ter salvo da terra do Egito, da casa da servidão: o SENHOR providenciou um meio de conservar Israel com vida, livrando-os da calamidade, tal como fizera no passado por meio de José, e como fará no futuro, ao salvar o seu povo e sua criação da corrupção do pecado.
Moisés agora volta-se ao segundo pilar que constrói a imagem messiânica: José, porém, faz isso em paralelo constrastante com a história de Judá, não a fim de exaltar um sobre o outro, mas para reforçar aspectos da identidade do Descendente que virá para salvar seu povo.
Frente a essa noção, a seção do capítulo 39 de Gênesis enfatiza a narrativa providencial redentiva (pt 3): a revelação preparatória de ascensão à representação messiânica - a saga messiânica.
Elucidação
As informações que traçam os contornos das narrativas, como dito, encarregam-se de colocar Judá e José lado-a-lado, montando um cenário em que ambos são expostos à circunstâncias semelhantes, porém agindo ou reagindo de formas diferentes, baseados em princípios distintos.
Há uma inevitável comparação entre os personagens, que, como dito, não visa sobrepor ao outro elevando virtudes e condenando vícios, mas sim, elaborando de maneira específica fatos e informações que instruirão o povo de Israel a observar alguns aspectos da obra redentiva. As referências podem ser observadas a partir dos seguintes pontos:
Ambos estão afastados da terra da Aliança, ou do representante do pacto abraâmico (i.e. Jacó): Judá se afasta de seus irmãos (Gn 38.1); José foi levado ao Egito (Gn 39.1).
Um comentário introdutório aponta o início da decadência espiritual de um, e a aprovação divina sobre o outro: Judá se casa com uma cananita (Gn 38.2); "O SENHOR era com José" (Gn 39.2).
Em decorrência disso, sobre um recai miséria e ruína, e sobre o outro, prosperidade e sucesso: Os filhos de Judá são maus e sofrem a punição divina (Gn 38.3-10); O SENHOR faz José prosperar e também a seu senhor, por amor dele (Gn 39.3-6).
Ambos são expostos à tentação, porém respondem de maneiras diferentes: Judá se prostitui com Tamar (Gn 38.15-19); José resiste e foge da mulher de Potifar (Gn 39.7-12).
Provas são usadas para acusar a ambos: Judá tem seus pertences exibidos, pelo que reconhece seu pecado (Gn 38.24-26); José é injustamente acusado, tendo suas vestes expostas como falsa prova de estupro/adultério (Gn 39.13-18).
Por fim, o desfecho das narrativas alterna a positividade e negatividade das referências: Judá, em arrependimento é destacado como progenitor da linhagem real messiânica (Gn 38.27-30): José é encarcerado, embora também lá o SENHOR lhe favoreça (Gn 39.19-23).
A aproximação referencial entre os personagens consolida seu uso para o desenvolvimento da história redentiva a partir daqui. Judá exibe a restauração de um pecador à condição elevada de comunhão como Deus, demonstrando o poder restaurador e remidor do Rei que virá a partir de sua linhagem, e sua excelência. José encena figurativamente a saga messiânica, em que mesmo obedecendo a Lei do SENHOR, sendo fiel à Ele, é injustiçado e padece por causa dos pecados de outrem (tal como lhe tem acontecido desde sua venda aos ismaelitas).
Os instrumentos da providência divina são devidamente posicionados diante do ouvinte/leitor, para que por meio deles a história a seguir seja compreendida. O enaltecimento do SENHOR como Rei e Redentor de seu povo que sofre e padece para isto, conclama a igreja de Deus a vislumbrar a conclusão da jornada redentiva.
José, em sua postura de humildade e piedade, é usado como instrumento divino para a fruição dos propósitos soberanos. Ainda que numa condição de escravo, após ter chegado à terra do Egito e ser vendido a Potifar, prospera devido a vontade do Criador de levá-lo mais além neste enredo.
Logrando êxito e mercê diante de seu senhor egípcio (cf. Gn 39.4), José ascende à mordomia da casa do oficial de Faraó (v. 5, e lá detém posição de alta importância, mediante o sucesso que o SENHOR lhe fazia ter na administração dos recursos do egípcio.
Porém, a tensão narrativa eclode através de uma proposta indecorosa por parte da mulher de Potifar: "Aconteceu, depois destas coisas, que a mulher de seu senhor pôs os olhos em José e lhe disse: Deita-te comigo" (v. 7). A narrativa constrói a cena anexando a informação que favorece a interpretação de que esta tentação ocorreu durante certo tempo (cf. v.10 "Falando ela a José todos os dias[...]") sendo contudo, rejeitada por José, que por fim, rebate o infame convite com uma declaração de fé:
Gênesis 39.8–9 RA
Ele, porém, recusou e disse à mulher do seu senhor: Tem-me por mordomo o meu senhor e não sabe do que há em casa, pois tudo o que tem me passou ele às minhas mãos. Ele não é maior do que eu nesta casa e nenhuma coisa me vedou, senão a ti, porque és sua mulher; como, pois, cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?
Observando todo o bem que lhe ocorrera desde que iniciou seus serviços na casa de Potifar, ao fim de sua fala, José exibe a razão de não ceder à tentação: ele reconhece que tudo o que lhe ocorreu, especialmente as bênçãos, foram frutos da graça divina, e aliando a isso, é exibido seu temor em desonrar ao SENHOR.
A despeito de sua enfática recusa, uma nova tentativa de corromper-se com José é executada pela mulher de Potifar, e desta vez, tendo fugido da presença desta, José é atacado com injúrias e mentiras que o caracterizam (falsamente) como criminoso. Nesse ínterim, devido a fúria de seu senhor, diante da apresentação das falsas provas do delito, José é levado ao cárcere. Segundo alguns comentaristas, a sentença mais comum para uma acusação dessa gravidade, seria a execução sumária, porém, o filho de Jacó é levado ao cárcere onde estavam "os presos do rei" (cf. v. 20). A leitura mais coerente é que isso não aconteceu por misericórdia da parte de Potifar, mas segundo a divina providência, pois agora, o caminho de José à ascensão está sendo mais claramente pavimentado, estando em contato com servos da corte que estavam presos, situação que será usada para introduzi-lo à presença de Faraó.
Transição
O quadro exposto por Moisés considera que os acontecimentos presentes da história de José, contribuíram para o progresso dos planos redentivos: a mão da providência o havia conduzido à casa de Potifar, e de lá, ao cárcere, preparando o caminho através do qual seu enaltecimento ocorreria, e como isso, a salvação de sua família.
Fundido a isso, uma apresentação prévia é feita em relação ao caráter do Messias: sua devoção e serviço ao SENHOR, no meio de um ambiente adverso que culmina com sua humilhação e sofrimento, posiciona Moisés e seus ouvintes/leitores na antesala da redenção. Assim como o SENHOR foi José, guiando-o passo-a-passo em sua jornada instrumental de salvação de seu povo, Cristo Jesus, o descendente da casa de Judá, foi conduzido soberanamente através do percurso que alcançaria seu ápice em sua morte ressurreição, garantindo a salvação da igreja de Deus.
O locus teológico traçado pelo autor divino/humano neste texto, traz à tona o caráter do Messias: inocente e fiel ao SENHOR, é conduzido pelo Altíssimo à via crucis, onde logra êxito em salvar seu povo, padecendo duramente as agruras necessárias para o resgate e redenção do povo de Deus, para a glória do Deus Triuno.
A imagem virtual do Messias está desenhada, e a fé nele é evocada pelo texto como única reação possível e adequada dos filhos de Deus. Contudo, além da aplicação desse princípio, o texto de Gênesis 39 nos encaminha a constatar outros pontos que nos servem de instrução.
Aplicações
1. Gênesis 39 nos apresenta o caráter e a missão de Cristo: o fiel e humilde Servo do SENHOR, enviado para, sofrendo, resgatar e salvar seu povo.
José encena o processo ao qual Cristo foi submetido. Tendo baixado à uma condição de servo (cf. Fp 2.7), foi humilhado e injustiçado, mesmo que servindo ao SENHOR de maneira perfeita, cumprindo toda a Lei (cf. Mt 5.17). Contudo, por essa razão, sofreu amargamente devido a truculência e maldade dos homens que rejeitaram completamente a Deus e seus estatutos.
Ao ter exibido sua confissão de fé mediante a recusa ao pecado, alegando que não poderia cometer tamanho desatino sem pecar contra Deus (Gn 39.9), José exibe o caráter de Cristo e seu zelo em cumprir a vontade do Pai.
Estando num ambiente completamente adverso, o Senhor Jesus dá glória ao Pai, através de sua conduta ilibada, sendo também encaminhado à um processo que inicia a remissão do povo de Deus mediante humilhação. Porém, o SENHOR esteve com Cristo, e tudo o que fez, Deus fez prosperar. Mediante o poder do Espírito, toda obra realizada pelo Senhor Jesus foi bem sucedida, e assim, ele conquistou para nós o direito de sermos chamados "filhos de Deus" (Jo 1.12).
2. Gênesis 39 completa a imagem do Messias - Cristo Jesus: O Rei Sofredor.
Como dito anteriormente, José não é colocado ao lado de Judá a fim de que fosse visualizado o quanto um é melhor ou mais fiel a Deus do que o outro. Ambos servem à um propósito muito maior do que mero moralismo, isto é, ler este texto apenas como um receituário de como devemos ser parecidos com José, evitando ser como Judá, é um reducionismo, embora haja aspectos éticos válidos a serem considerados em tal perspectiva, como veremos mais adiante.
Porém, em primeiro lugar, Moisés nos exibe o caráter do Messias, sua índole… sua glória. O Rei que restaura pecadores anexando-os à sua família, por quem se sacrifica sofrendo morte de cruz, é o personagem evocado diante de nossos olhos nesse texto.
Acima e além de qualquer outra coisa, Gênesis 39 complementa a grandeza da revelação messiânica no Primeiro Livro da Lei de Moisés. O marco fundamental da história da redenção é o salvamento do povo da Aliança sob as vias da operação providencial divina, através da tipologia elaborada pelo autor bíblico deste texto.
Israel - no AT - e nós - no NT - somos chamados a nos curvar diante de tão gloriosa menção de Cristo: Sua Majestade ouviu as preces de nossas almas condenadas, e nos sorriu com graça, descendo até nossa condição miserável, para nos libertar da morte e do inferno.
Maior honra do que esta (de contemplar a Cristo nas páginas das revelações primevas) só será superada pela dádiva de contemplá-lo em toda sua glória quando em seu retorno majestático para consumar sua obra.
3. O caráter do Messias deve nos inspirar a seguir seus passos.
Estamos sendo esculpidos à imagem de Cristo, e essa imagem, restaurada em nós, não pode nos levar a uma postura diferente em relação às mesmas circunstâncias. Diante das graça do SENHOR, que outro tipo de reação pode ser mais própria de um Cristão além de fidelidade à ele, rejeitando as ofertas inescrupulosas do pecado? José fugiu do pecado, porque tinha clara em seu coração a noção de que agir daquela forma seria uma atrocidade contra os mandamentos de Deus, e uma desonra cruel ao Seu Nome.
Os favores divinos nos cercam diariamente, e sua misericórdia se renova à cada manhã sobre nossas vidas. Diante do convite lascivo de um (a) homem/mulher ímpio (a), ou do chamado à pornografia, ou da tentação de desobedecer aos pais, que outra reação poderemos ter senão de fugir da aparência do mal, honrando ao nosso Deus?
Há um cântico cristão antigo que diz:
Tentado não ceda, ceder é pecar.
Melhor e mais nobre será triunfar.
A nobreza da resistência à tentação não consiste em provar a si ou a outros o quanto somos forte, mas sim em demonstrar para Deus nossa eterna gratidão, em agora termos o poder de dizer não ao pecado e sim ao nosso SENHOR, obedecendo aos seus mandamentos.
Mesmo que tal atitude nos leve a ser odiado pelos homens, assim como promete também o salmo 1, o homem feliz ou bem-aventurado, é aquele que dedica-se à Lei do SENHOR, sabendo que tudo quanto fizer prosperará (Sl 1. 3).
Conclusão
Judá e José foram os nomes escolhidos por Deus para, unidos, apresentarem sua glória: Cristo Jesus. Somente nas páginas das Escrituras, realeza e martírio podem fornecer a noção genuína de salvação.