Gênesis 38

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O autor estabelece o início da narrativa que se encarregará de caracterizar e preparar Judá e José para representarem o propósito redentivo divino de salvar seu povo por meio de seu enviado (i.e. Cristo Jesus), como Rei que governaria seu povo, conduzindo-o à salvação.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 38
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após o relato introdutório da saga patriarcal a ser desenvolvida especificamente através de Jacó, filho de Isaque, filho de Abraão, o autor interrompe e fluxo "normal" do enredo, a fim de adiantar um contraste que na verdade colabora com a caracterização de dois personagens, que serão responsáveis pelo progresso dos planos redentores do SENHOR em cumprimento à sua Aliança, sobretudo com relação a iminente chegada do Messias.
José e Judá serão usados ao longo de toda a narrativa como blocos complementares que demonstram a grandeza da revelação messiânica. A "tensão representativa" entre os dois filhos de Jacó que prefiguram o papel messiânico, é um tema que percorrerá toda a Escritura, chegando inclusive ao Novo Testamento, onde tal tensão será resolvida, como comenta Palmer Robertson:
Da perspectiva do Novo Testamento, essa tradição de dois "salvadores" de duas diferentes tribos de Israel, encontra sua resolução em um único Salvador que reúne em si mesmo o elemento maior de ambas as tradições. Devido o Redentor Final do povo de Deus possuir um rico significado, nenhuma figura poderia abranger todas as facetas de sua pessoa e obra. Numa mão [Judá], a imagem da realeza do rei, segundo a linhagem de Davi, aponta para a soberania daquele que foi designado por Deus como redentor. Na outra mão, a descida da figura de José para um poço, para o Egito e para a prisão, seguida pela sua ascensão à mão direita do faraó e sua posição de liderança sobre as nações, enriquece a imagem do Redentor. Jesus é o Filho de Davi, assentado no trono eterno. Mas, ligado a isso, também, deliberadamente, escolhe para si o título de "Filho do Homem", e enleva o termo com ambas as imagens de sofrimento, rejeição, e glória, ao retornar nas nuvens (M 17.22-23; 24.30-31) (ROBERTSON, 2015, pos. Kindle 2929).
O protagonismo duplo da história de Jacó através de Judá e José, funciona como arcabouço teológico representativo da majestade tanto da obra salvadora que está sendo realizada desde a queda (cf. Gn 3.15), quanto do próprio descendente prometido; aquele que haverá de executá-la.
Entretanto, observando a narrativa em questão e de acordo com o que fora analisado, a história final do livro de Gênesis (caps 37 - 50) se encarrega de preparar os próprios personagens da trama para um progresso em que ao final, poderão com propriedade representar o povo de Deus (no caso do outros filhos de Jacó), e o Messias (com a relação à Judá e José). Em face disso, o autor usa o presente relato para iniciar a preparação de Judá e seu progresso redentivo e amadurecimento na fé.
Assim, a presente seção destina-se a expor a narrativa providencial redentiva (pt 2): a revelação preparatória de ascensão à representação messiânica.
Elucidação
Como dito, o paralelo entre Judá e José estabelece um quadro que, ao ser visto em sua inteireza, proporciona a contemplação da figura messiânica por vir. Essa carga conceitual é estabelecida levando em consideração aspectos dos estágios da obra redentora e de seu executor. Assim, o infortúnio vindo sobre José demonstra o sofrimento pelo qual o Messias deverá passar para que realize a salvação do povo de Deus. Por outro lado, Judá é erguido na narrativa como sendo um parâmetro para a realeza do Descendente. Ambos estão submissos à um processo através do qual a propriedade de sua referência se consolida ao longo da narrativa.
Os capítulos 38 e 39 de Gênesis formam um bloco introdutório a esse processo, contrastando circunstâncias que serão usadas na caracterização dos personagens, e suas respectivas evoluções ao longo da narrativa.
Ao ter se apartado de seus irmãos (v.1), Judá se coloca numa situação de distanciamento de sua família; da terra da Aliança, e de seu pai, Jacó, circunstâncias que preparam o cenário para a crise por vir. O quarto filho de Jacó, casa-se com uma cananita, uma adulamita, o que notavelmente demonstra o início de um declínio espiritual em sua vida, pois, como o próprio Moisés já havia deixado claro, a união com povos cananeus promove uma mistura na linhagem santa, algo que havia sido repudiado desde o início da história primeva (Gn caps 3 - 11), e também ao longo da trajetória patriarcal (cf. Gn 24.1-9; 25.46; 28.6-9).
Dos versos 3 à 11, o autor registra os acontecimentos resultantes dessa deserção de Judá em relação ao compromisso pactual estabelecido com seus pais. Os filhos que nascem a partir dessa união repugnante entre luz e trevas, ou ativamente se rebelam contra Deus, como é o caso de Er, sendo este punido com morte (v. 7), ou se abstém de obedecê-lo (o que também é considerado insubmissão ativa) como Onã, que apesar de não ter sido caracterizado como perverso, é rebelde, não cumprindo a Lei do levirato, e por essa razão, também é executado pelo Soberano (vs. 9-10).
Não obstante todos esses terríveis fatos apontarem ao ouvinte/leitor o desagrado divino em relação as presentes ações de Judá, a partir do versículo 12, outro movimento degradante é realizado por este. A esposa de seu primeiro filho, após ficar viúva também do segundo, é esquecida, e não é dada como esposa ao terceiro filho: Selá (v.14). Como não bastasse a perda de seus dois primeiros filhos, demonstrando o caminho de morte que se segue em sua marcha pecaminosa de afastamento da Aliança, o filho de Jacó entrega-se a devassidão, e coabita com sua própria nora, embora não o soubesse, pensando na verdade que se tratava de uma meretriz cultual.
No diálogo entre Hira e uns pastores que tosquiavam o rebanho, essa noção de que Judá se deitara (deliberadamente) com uma prostituta cultural fica evidente:
Gênesis 38.20–22 RA
Enviou Judá o cabrito, por mão do adulamita, seu amigo, para reaver o penhor da mão da mulher; porém não a encontrou. Então, perguntou aos homens daquele lugar: Onde está a prostituta cultual que se achava junto ao caminho de Enaim? Responderam: Aqui não esteve meretriz nenhuma. Tendo voltado a Judá, disse: Não a encontrei; e também os homens do lugar me disseram: Aqui não esteve prostituta cultual nenhuma.
Segundo a cultura daquele tempo, esse tipo de meretriz fazia parte do costume cananeu de oferecer aos deuses uma espécie de "sacrifício" pela fertilidade ou prosperidade, através de relações sexuais com suas sacerdotisas. Judá reconhecera, a partir das vestes (uso do véu), que a mulher com quem se deitara era uma dessas meretrizes - ou pelo menos, ela quis assim parecer, talvez motivada pelo desejo de ter filhos, dedicando seu corpo como objeto de sacrifício cúltico à alguma divindade. Ao passo que a história progride, o autor vai expondo e construindo a progressão da corrupção de Judá: ele afasta-se da casa de seu pai, o representante da aliança redentiva; casa-se com uma mulher cananita, pondo em risco a pureza da linhagem santa, e por fim, prostitui-se com uma mulher.
Como dito, o objetivo traçado por Moisés ao longo da exposição desta narrativa é enfatizar a evolução posterior de Judá, principalmente sendo usado por Deus como instrumento de seus planos redentivos. Porém, para que haja uma evolução, é necessário antes traçar o ponto inicial desse movimento, o que é feito por meio da exposição da pecaminosidade do filho de Jacó.
O texto exibe o profundo abismo que é o pecado no coração dos homens, e como a graça redentiva possui poder para reverter o mais terrível dos quadros, ao ter o Messias, o Rei segundo a linhagem de Judá, sido providenciado.
O povo de Israel, por meio desta narrativa, está sendo apresentado as origens da tribo que futuramente será responsável por gerar o próprio Messias, e aqui, o quadro referencial que aproxima o povo ao Redentor, consiste no demonstrativo da graça restauradora que reconstituiu seu povo à sua presença de onde foram alienados devido o pecado.
O desfecho da narrativa, a partir do versículo 24, é a gravidez da nora de Judá, e a acusação de que ela havia adulterado, algo que desperta a ira de seu sogro, condenando-a à morte (v. 24). Porém, ao defender-se da acusação, a mulher exibe provas de que o homem com quem se deitou era o próprio Judá:
Gênesis 38.25 RA
Em tirando-a, mandou ela dizer a seu sogro: Do homem de quem são estas coisas eu concebi. E disse mais: Reconhece de quem é este selo, e este cordão, e este cajado.
Frente as incontestáveis provas de seu crime, Judá retrocede no juízo, e esse ponto da narrativa proporciona o clímax do episódio. As imagens do início e do fim do capítulo se sobrepõem: no versículo 1, ele se aparta de seus irmãos, e inicia uma série de ações pecaminosas que só o fazem decair moralmente, ao final porém, Judá reconhece sua falha, e arrepende-se de seu pecado. No começo ele ignora a Lei de Deus, mas no fim, reconhece ausência de justiça de suas atitudes. O homem impulsivo que junto com seus irmãos, tramou a venda de José, agora começa a ser modelado para se tornar o príncipe da casa de Jacó, responsável por iniciar a linhagem que se desenvolverá até que surja o Messias.
Porém, outro personagem é destacado como fazendo parte dessa ação providencial restauradora: a própria Tamar, antes uma mulher cananita, mantém fiel à família de Judá, e com isso, permanece não somente em sua família, mas também fora escolhida por Deus para ser a mãe da linhagem real que é iniciada em Judá.
O demonstrativo do alcance da graça divina sobre Tamar, é visto à luz da ótica intra-canônica: ela aparece nas duas genealogias responsáveis por expor o rei de Israel - num primeiro momento de forma tipológica, e depois, antítipica. Em Rute 4.18-22, encontramos o livro da genealogia de Perez, filho de Tamar e Judá:
Rute 4.18–22 RA
São estas, pois, as gerações de Perez: Perez gerou a Esrom, Esrom gerou a Rão, Rão gerou a Aminadabe, Aminadabe gerou a Naassom, Naassom gerou a Salmom, Salmom gerou a Boaz, Boaz gerou a Obede, Obede gerou a Jessé, e Jessé gerou a Davi.
Em Mateus 1.3, novamente Tamar é citada, porém agora, na lista que desenvolve as gerações que por sua vez, culminarão no próprio Cristo Jesus:
Mateus 1.1–3 RA
Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. Abraão gerou a Isaque; Isaque, a Jacó; Jacó, a Judá e a seus irmãos; Judá gerou de Tamar a Perez e a Zera; Perez gerou a Esrom; Esrom, a Arão;
Transição
Através desta narrativa, o povo de Israel deveria compreender o percurso histórico que fez Judá assentar-se no trono da casa de Davi, donde representaria (ao lado de José) o Rei procedente do próprio Deus, que promoveria a salvação de seu povo. Moisés introduz o desenvolvimento da representação messiânica através de Judá a partir de uma caracterização que serve como encenação da obra redentiva: Judá, o homem vil que se apartou da Aliança, será aos poucos transformado no príncipe que aponta para o Messias, aquele que redimirá seu povo de seus pecados, e Tamar, a cananita que para preservar-se usa meios imorais, é anexada ao povo de Deus, tendo sido alcançada pela graça divina através de Judá.
A trajetória judaica encena tanto o estado de progressão experimentado pelo povo de Deus, ao ser aos poucos, através de cada faceta da história redentiva, preparado para ter sua fé consolidada e confirmada pela chegada do Redentor, quanto para representar a majestade e grandeza do Descendente de Abraão, remidor dos pecados de seus eleitos.
Diante dessa observação, a compreensão dos princípios a serem aplicados à nossa vida, devem ser percebido a partir das seguintes conclusões:
Aplicações
1. "Um abismo chama outro abismo; um pecado incitará outro pecado".
Embora a divina providência tenha guiado cada passo desse escabroso caminho trilhado por Judá, seu pecado não é diminuído, e a vileza de seu coração é exposta ao ter dado vazão à natureza corrompida do pecado em sua vida.
À passos largos, Judá se afunda cada vez mais numa escalada absurda de pecado e rebelião contra Deus, fazendo pouco caso da Aliança com o SENHOR, feita pelo próprio Soberano com seus pais.
Judá conhecia a vontade divina, pois já havia sido instruído por seu pai sobre o que exige o SENHOR daqueles que estão em um compromisso pactual com eles, mas escolhe afastar-se da família da Aliança entregando-se ao pecado.
Entretanto, a cada passo para mais longe do Criador e sua Aliança, terríveis consequências demonstram que o caminho do pecado sempre produzirá um gosto amargo na boca dos eleitos.
De igual forma, precisamos tomar de sobreaviso a exortação bíblica encenada através desse relato: por um momento, breve momento, o pecado pode parecer uma via vantajosa, porém, revelará que somente trará desgraça e ruína. Portanto, não sejamos tolos ao ponto de necessitar experimentar na pele os desadores do pecado.
Que sejamos advertidos pela Escritura, tal como estamos sendo hoje - que se nos entregarmos aos desequilíbrios e devaneios de nosso coração, encontraremos a devida disciplina, que não nos poupará, afim de mostrar que nosso lugar não é distante das bençãos da Aliança, mas junto a graça preciosa e salvadora de nosso Deus que nos encaminha à santificação e vida eterna.
Porém, em segundo lugar, é necessário que saibamos que:
2. A graça restauradora é capaz de mudar o coração do mais contumaz pecador, através de Cristo Jesus, o Leão da tribo de Judá.
A jornada de Judá revela a profundidade e amplidão da obra redentiva: como cabeça da tribo donde virá o Messias, Judá mostra a grandeza da graça do SENHOR em seu filho bendito: Cristo Jesus, o Rei majestoso oriundo da casa de Judá, é aquele responsável por guiar seu povo através do caminho de restauração à presença do Criador, mediante seu sacrifício (demonstrando pelo sofrimento de José).
Mesmo tendo se entregado ao pecado, Judá é resgatado pela mão providente do SENHOR, e ao ser sensibilizado pela ação divina quanto ao seu atos pecaminosos, e arrepende-se, vendo que seus caminhos haverão de levá-lo à um destino que jamais poderia ter elucubrado para si: pertencer a descendência messiânica.
Também Tamar, estando distante do SENHOR, vivendo no paganismo e pecado, é trazida a fé, como o caso de outra gentia que é ligada a Cristo, mediante o desenvolvimento de sua linhagem, prefigurando o alcance da salvação à outros povos para além dos limites de Israel.
A história de Judá é a nossa história: pecado e corrupção antecipam salvação e graça por meio da fé no Rei Messias - Cristo Jesus, e nunca haverá quadro tão obscuro que não possa ser alterado numa bela tela que retrate ação restauradora de nosso Deus.
Conclusão
A trajetória de Judá rumo à representação que fará em relação ao trono messiânico de Cristo, alude à nossa história: humilhados pela depravação de nossa natureza, somos salvos pelo Rei que agindo perfeitamente, assentou-se no trono de onde decretou sua vitória sobre o pecado e nos resgatou, a fim de sermos seu povo; sua família.