Gênesis 37

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O autor apresenta (mais especificamente) o início do livro das genealogias de Jacó, onde narra de maneira referencial a história da descendência de Israel, que é levado cativo ao Egito, prefigurando a vinda do Messias em sofrimento e dor, proporcionando através disso, no entanto, a salvação e livramento de seu povo, como cumprimento da aliança redentiva.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 37
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Estabelecendo a transição de personagens ao longo da narrativa patriarcal, e após ter feito menção à genealogia de Esaú como paralela a de Jacó, agora o autor encaminha-se para continuar a narrativa da história redentiva por meio de Jacó, filho de Isaque, filho de Abraão.
Sendo esta a maior seção do livro (caps 37 à 50), os detalhes e desdobramentos da narrativa são cuidadosamente estruturados a fim de refletir as intenções do Criador de ser fiel à sua aliança, preservando e guiando seu povo (i.e. Jacó e seus filhos) ao centro de sua vontade restauradora.
Os conceitos de providência; amadurecimento na fé; contemplação da obra salvadora; fidelidade à aliança e obediência e confiança no Deus da Aliança, são ampliados e aprofundados ao ponto de ressaltarem as origens do povo de Israel, intensificando o compromisso de seus ouvintes/leitores em corresponder a esta história de maneira apropriada: com fé e temor diante daquele que os havia redimido, retirando-os da escravidão no Egito (para onde foram através da migração de Jacó (cf. Gn 46)), guiando-os até a terra de Canaã (o percurso inverso aquele feito por Israel).
A seção em destaque trata de realizar a introdução de toda a narrativa a seguir, isto é, Moisés redige a partir deste ponto, a história que responde a pergunta de como o povo de Israel foi parar no Egito, e do porquê de Deus os ter tirado de lá. Além disso, há uma intenção oblíqua nesta última seção do livro, de remontar aos episódios iniciais da saga redentiva (criação-queda-redenção (cf. Gn 3)) , e assim, o cenário desta narrativa é usado como referência confirmadora da obra salvífica, tal como vem sendo estruturada ao longo do texto. A descendência de Jacó (i.e. José) que sofre para, providencialmente, manter a linhagem escolhida à salvo da calamidade, aponta para a menção "proto-evangélica" de Gn 3.15, em que um descendente da linhagem da mulher sofreria, para proporcionar a redenção da criação de seu cativeiro sob o pecado.
Assim, a perícope em questão - que apresenta a tese central do autor à luz do enredo de toda essa parte final do livro de Gênesis - trata da narrativa providencial redentiva (pt1): o cativeiro da linhagem santa.
Elucidação
O início do capítulo faz referência ao relato anterior, estabelecendo um constraste bastante marcante: enquanto que Esaú afastou-se da terra de Canaã e de seu irmão (cf. Gn 36.6) (informação que demonstra a situação espiritual do mesmo diante de Deus e sua Aliança, tal como fora com os patriarcas), Jacó permanece "na terra das peregrinações de seu pai, na terra de Canaã" (v. 1). Esse destaque formaliza a condição de Jacó como herdeiro da promessa abraâmica de possessão daquelas terras, e com isso, o fluxo histórico patriarcal está consolidado ao ponto de, no versículo seguinte, Moisés registrar o início do livro das genealogias de Jacó: "Esta é a história de Jacó" (v.2).
Apesar dessa referência, é sobre a descendência de Israel que recai o foco do autor, especificamente sobre José, o filho mais amado do patriarca, "porque era filho da sua velhice" (v. 3). Essa expressão de importância ecoa o mesmo título conferido a Isaque (cf. Gn 21.2), o filho de Abraão, usado por Deus como símbolo de seu comprometimento de suscitar ao pai da fé, uma nação de eleitos. Assim, ao usar essa mesma significação para referir-se a José, Moisés tem em mente realmente destacar este filho de Jacó sobre os demais, de maneira a colocá-lo no centro deste capítulo da saga patriarcal.
A própria narrativa também se encarrega de elevá-lo à um patamar de importância superior, pois os constantes sonhos de José parecem sugerir essa sobreposição em relação aos demais herdeiros da casa de Israel. Até que por fim, a confirmação de sua instrumentalização nos propósitos redentivos, é confirmada pela exposição do sentimento que seu pai teve em relação aos sonhos que José tinha: enquanto seus irmãos o invejavam e odiavam por essa "pretensão à superioridade" (v.8), "o pai no entanto, considerava o caso consigo mesmo" (v.11).
Em que pese toda essa significativa carga conceitual que torna José protagonista da narrativa de seu pai, a antítese entre ele seus irmãos aumenta, quando é enviado para fiscalizar o trabalho destes (v.14), o que não é bem visto pelos outros filhos de Jacó, ao ponto de tramarem um modo de livrarem-se de José. Essa rivalidade será ao final da narrativa (cf. Gn 50.20) exposta como tendo sido fomentada pelo próprio Deus, que em sua providência guiara todo aquele percurso com o objetivo de livrar sua prole da fome que assolara a terra de Canaã. Contudo, o autor omite inicialmente essa noção para destacar a vileza dos irmãos de José, que o capturaram e lançaram numa cisterna, sem água ou alimento (v.24).
Tendo Rúben, entretanto, intercedido junto a seus irmãos para não matarem a José, antes que pudesse retornar a seu irmão para encaminhá-lo ao pai (v. 22), seus irmãos venderam José a uma caravana ismaelita que seguia para o Egito. Jacó, recebendo a falsa notícia de que seu filho havia morrido - tal como fora tramado por seus filhos - lamenta amargamente a perda de seus filho mais amado, e entrega-se à tristeza de morte (v. 35). Porém, nesse ponto da narrativa, o caráter providencial divino é revelado pelo contraste feito pelo autor: ao passo que Jacó chora pela "perda de seu filho", Moisés salienta na narrativa que "entrementes, os midianitas venderam José no Egito a Potifar, oficial de Faraó, comandante da guarda" (36). Esse comentário, ao final da narrativa, encarrega-se de confirmar a inverdade quanto a morte de José, e também reforça a continuidade da saga: José não foi morto, mas foi encaminhado ao Egito, onde será usado como instrumento de salvação para sua linhagem.
Os pontos referenciais entre a história de José; a aliança divina de redenção e a retomada arquétipica do teor introduzido no episódio da queda do homem e da menção redentiva, são fundidos num mesmo horizonte conceitual em que o povo de Israel é lembrado das intenções salvadoras, para que sua fé esteja alicerçada na promessa de salvação através de um descendente de sua linhagem.
Após tantas histórias e exortações quanto a fidelidade divina em manter seu povo a salvo dos inimigos, de abençoá-los com fartura e riqueza, tal como aconteceu na história de cada um dos patriarcas (e.g. Abraão, Isaque e Jacó), uma última vez e de maneira mais intensa, Moisés começa a expor o povo ao fundamento da fé e da relação entre eles e Deus, que por sua vez também é a razão que levou o SENHOR a tirá-los da terra do Egito, da casa da escravidão: a promessa redentiva de uma descendência redimida do poder do pecado, e liberta da servidão ao mesmo, podendo adorar direta e perfeitamente a Deus no seu Reino (i.e. a criação restaurada) seria efetivada pelo envio de um representante, um mediador entre o povo e o Criador, que pudesse livrá-los do juízo a ser executado sobre o mundo.
Transição
José tipifica esse Messias, que ao ser traído por seus irmãos, é levado cativo ao Egito, onde humilhado, sofre terrivelmente para que, sob a direção da divina providência, livrasse sua família da fome e morte que assolou Canaã. Referencialmente, porém de maneira muito superior, Cristo Jesus, o descendente da linhagem da fé, é enviado ao mundo para sofrer, sendo inclusive traído por seus irmãos, a fim de que mediante seu sofrimento, esse mesmo povo que lhe virara as costas, estando imerso na corrupção do pecado - sendo esta uma das razões para o martírio do Redentor - pudesse ser salvo da catástrofe iminente do derramar da ira de Deus sobre o pecado e sobre o levante contra seu reino, encabeçado por Satanás e seguido por ímpios rebeldes.
Cristo é o salvador maior do que José, pois mesmo sendo grande na terra do Egito, ao ter passado algum tempo, tendo se levantando um faraó que não o conhecia, este foi esquecido (Ex 1.8), não podendo livrar seu povo da opressão. O Senhor Jesus é o Rei que, não somente já efetivou a libertação de seu povo do poder condenatório do pecado, como também retornará, para livrá-lo da opressão de um mundo caído que deseja subjugar os eleitos de Deus.
O relato iniciado no capítulo 37 de Gênesis não é apenas um registro da história do povo de Israel no Egito e de sua respectiva saída de lá, e sim, um modelo apresentado ao povo com o intuito de ser um quadro que traça tipologicamente a história redentiva, levando-os a fé e certeza de obtenção da herança de Abraão, que creu no cordeiro expiatório, como meio providencial divino de resgate de seu povo.
Assim, Gênesis 37 nos encaminha a observação de alguns princípios a serem aplicados à nossa vida. Quais sejam:
Aplicações
1. A vileza do nosso pecado, foi uma das causas da entrega de Cristo ao sofrimento e dor, sendo esta a forma providenciada por Deus para que fôssemos salvos da punição por vir.
Os irmãos de José, por inveja e ódio de seu irmão, não pouparam esforços para traí-lo e vendê-lo ao Egito, condenando-o a um terrível sofrimento. Vivendo como escravo, segundo veremos ao longo de sua história, José foi humilhado, desprezado, maltratado, e esquecido, além de ter se distanciado de seu pai.
Ao lermos esse registro, nosso coração se inflama de ira contra os filhos de Jacó, contudo, esta é uma das imagens mais vivazes que a Escritura usa para descrever nossa própria postura diante de Deus. Não obstante os intensos avisos que o Criador nos concedera, advertindo-nos de nosso estado de devassidão e queda e de seu grande plano de restauração, traímos a Deus por meio de nossos pecados.
Na atitude dos irmãos de José, encontramos nossa condição anterior: nosso pecado resultou numa situação de extravio tamanha para como Deus, que a única forma de reverter esse estado, foi o próprio Criador enviar seu único Filho, para nos salvar, mesmo isso implicando dor e sofrimento a ele através do nosso desprezo e vileza. O cativeiro de Cristo, sob agonia e humilhação, reflete a providência divina em nos resgatar para si.
Assim como o povo de Israel deveria ver através da história da ida de José para o Egito, segundo a ótica da divina providência, o cumprimento da aliança da Redenção, tal como se mostrou no livramento de Jacó e sua casa da fome, da mesma forma nós, devemos enxergar que o cativeiro de Cristo Jesus, causado por nosso pecado (assim como a venda de José o foi devido o pecado de seus irmãos), foi um ato de salvação, executado pelo Pai, Filho e Espírito Santo, livrando seus eleitos do juízo vindouro, e o quadro que parecia obscuro, transforma-se numa belíssima obra de arte, através do qual contemplamos o amor pactual de Deus por seus eleitos.
2. O cativeiro e sofrimento de Cristo proporcionam a nossa restauração.
No ínterim da narrativa da venda de José por seus irmãos, o autor declara a antagonia de Rúben com relação aquela atitude. O mesmo Rúben que antes subiu ao leito de seu pai e o profanou, agora nutre em seu coração o desejo de restaurar seu irmão ao pai, honrando a este, e livrando aquele da malícia de seus pares.
A intersecção desses pontos (quais sejam: a traíção dos filhos de Jacó para com José, e o desejo de Rúben de impedir tal pecado), não foi resultado do acaso. A tentativa do filho mais velho de Jacó de salvar José de ser vendido, faz referência ao teor teológico embutido à trama de demonstrar a providência divina em preparar cada um dos futuros cabeças das doze tribos de Israel, para serem representantes "dignos" do povo de Deus, como comenta Bruce Waltke:
[…] Este relato se preocupa com as atividades pactuais de Deus com os patriarcas e o estabelecimento de seus planos para os filhos de Israel. Ele guarda sua aliança transformando todos os filhos de Jacó, particularmente Judá, para torná-los dignos participantes da Aliança (WALTKE, 2010, p. 608).
A mensagem exposta no episódio em que José será levado para o Egito pela mão da providência, onde será usado como instrumento de salvação, é a de que a redenção executada pelo SENHOR é capaz de restaurar o mais vil pecador, tornando-o apto a ser chamado de Filho da Aliança.
Cristo Jesus, nosso redentor, é poderoso para fazer com "Rúbens" tenham seus pecados cobertos pelo precioso sangue dAquele que foi traído e vendido, sendo conduzido como cordeiro mudo ao matadouro, dando-lhes a graça de serem salvos da calamidade.
Não há uma única alma, que tão manchada pelo pecado, não possa ser limpa pelo sangue da cruz. Nós, somos "Rúbens": profanos, desonrosos… pecadores, que foram salvos por aquele que, magnanimamente, padeceu voluntariamente, para nos salvar de nosso pecado.
Conclusão
O Evangelho é uma estranha boa notícia: "Alegrem-se! Pois ele sofreu". "Exultem! Pois Ele foi morto". "Regozijem-se! Pois ele padeceu". A redenção só faz sentido, se vista pela ótica bíblica: todo o sofrimento pelo qual passou o Descendente de Jacó, Jesus Cristo, proporciona a salvação de todo o seu povo.