Gênesis 31.1-55

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O autor repete a temática da benção protetiva do SENHOR sobre seu eleito, em cumprimento da Aliança estabelecida com Abraão, tendo em vista o progresso dos planos redentivos.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 31.1-55
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Avançando o esquema comparativo e relacional que liga a história de Jacó à saga patriarcal, e esta, por sua vez, ao desenvolvimento do plano redentivo, novamente Moisés traça um conectivo entre Jacó e o povo de Israel, levando em consideração uma temática já abordada anteriormente, qual seja: a benção divina como garantia de vitória e êxito sobre os inimigos.
O arquetípico reenfatizado pelo autor, novamente demonstra a emergência em que Israel entenda e confie em Deus como seu protetor, e que será através do êxito dos eleitos do SENHOR que a glória da salvação será exibida. Assim como Deus foi com Abraão, livrando-o das mãos dos egípcios (cf. Gn 12.10-20), e depois, de Abimeleque, rei de Gerar (cf. Gn 20); como fora com Isaque, preservando-o da opressão dos filisteus, agora será com Jacó da mesma forma.
Neste ponto, a necessidade de uma repetição tripla deste arquétipo que remonta aos três patriarcas, exibe a substancialidade do pacto realizado por Deus com Abraão, o que também reforça a seriedade das promessas divinas. O fracasso dos patriarcas na fé e a misericórdia divina em ampará-los nos momentos de dúvida, sobretudo protegendo-os dos adversários, fazendo-os perceber que o sucesso da salvação estava garantido, não pela fidelidade meritória dos mesmos, mas sim, devido a fidelidade de Deus em cumprir sua palavra, lembra a Israel de sua pequenez, ao passo que é consolado pelo autor divino através deste texto quanto a graça eletiva que os havia tornado propriedade peculiar do SENHOR, e assim, aquela proteção que esteve sobre os patriarcas, estaria sobre Israel, proteção que agora, de maneira ainda mais peculiar, é exibida na vida de Jacó, especificamente, no episódio da seção em questão.
Com isso em mente, nota-se que a ideia central do texto de Gênesis 31.1-55 é a confirmação da benção protetiva sobre o eleito de Deus como demonstrativo da fidelidade do pacto abraâmico.
Elucidação
O cenário da narrativa em questão desdobra-se de uma continuação dos relatos anteriores, em que uma tensão entre Labão e Jacó é introduzida. O conflito em torno do salário de Jacó faz com que o favorecimento ou o "bom grado" de seu sogro torne-se em desconforto ou até rivalidade, pois, ao passo que tentou lograr êxito roubando Jacó, Deus, soberanamente, fez o patriarca prosperar, e como é explicado pelo próprio Jacó, isso foi feito às custas de Labão: "Deus tomou o gado de vosso pai, e mo deu a mim" (Gn 31.9).
A partir dessa conflito, o autor inicia a narrativa do retorno de Jacó à terra de seus pais, Canaã, a fim de que os planos redentivos de que a descendência de Abraão tome posse da terra (que figura o ambiente futuro que, quando restaurado, será o lugar da habitação de Deus com seu povo) seja executado. Os versículo 2 e 3 exibem essa dinâmica de maneira evidente:
Gênesis 31.2–3 RA
Jacó, por sua vez, reparou que o rosto de Labão não lhe era favorável, como anteriormente. E disse o Senhor a Jacó: Torna à terra de teus pais e à tua parentela; e eu serei contigo.
A partir desse ponto, um diálogo entre Jacó e suas esposas, Lia e Raquel, é estabelecido, a fim de que a obediência da família da Aliança seja evidenciada, o que neste ponto da narrativa, também é usado pelo autor, como reforço exortativo.
Embora não seja mediante os méritos humanos que Deus execute sua vontade salvadora, ele tem agido na vida dos patriarca através da obediência deles às ordens divinas (assim como por meio dos vícios e pecados dos mesmos), o que exibe uma harmonia entre do decretos do soberano e a piedade em, de coração, confiar no SENHOR agindo da maneira adequada à sua Aliança. A tão aguardada resposta em fé das esposas, declara esse princípio: [...] Toda a riqueza que Deus tirou de nosso pai é nossa e dos nossos filhos; agora, pois, faze tudo o que Deus te disse.
Entretanto, uma quebra na sequência narrativa salienta uma concomitância entre a demonstração de fé Raquel, e suas raízes pagãs, pois ao registrar a iniciativa de Jacó de partir imediatamente para Canaã, o autor muda sua perspectiva, redigindo um comentário aparentemente fora de ordem:
Gênesis 31.17–19 RA
Então, se levantou Jacó e, fazendo montar seus filhos e suas mulheres em camelos, levou todo o seu gado e todos os seus bens que chegou a possuir; o gado de sua propriedade que acumulara em Padã-Arã, para ir a Isaque, seu pai, à terra de Canaã. Tendo ido Labão fazer a tosquia das ovelhas, Raquel furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai.
Essa mudança abrupta na descrição das cenas, também configura-se numa observação feita por Moisés quanto ao coração do povo de Israel: apesar de sua fé declarada no Deus de Jacó, a corrupção de Raquel exibe o mesmo ânimo dobre que o povo de Deus possuía: embora tenham em muitas ocasiões confessado que serviriam ao SENHOR lhe sendo fiéis, seguiram após outros deuses, ou pecaram contra o Soberano de diversas outras formas. Entretanto, como já dito, o favor divino não abandonou os patriarcas, quando estes foram fracos e cederam aos ídolos de seus próprios corações. Da mesma forma, o Criador não abandonou ou mudou de ideia quanto aos planos que revelara ao seu servo Jacó, de redimi-lo e cumprir nele as promessas feitas a Abraão, e assim, na sequência do texto, a fidelidade divina é retomada, ao declarar o resultado do intento de Jacó ao sair de Arã e regressar a Canaã, intento implícito na atitude do patriarca em relação ao seu rival: "E Jacó logrou (hb. "וַיִּגְנֹ֣ב" lit. "e roubou") a Labão, o arameu, não lhe dando a saber que fugia".
Outra "ambiguidade" que aparece no texto salienta a prontidão de Jacó em obedecer ao fiat divino que lhe direcionou ao retorno para sua terra natal, seguido pela postura sorrateira de Jacó em "lograr" Labão. Ambos os quadros (as raízes pagãs de Raquel e o engano de Jacó) traçam o curso providente através do qual Deus evidencia a execução de seus planos salvadores.
A partir desse ponto, a fuga de Jacó e a perseguição de Labão serão pontos que aproximarão a narrativa da saga Israelita, especialmente no que tange a fuga de Israel do Egito e a perseguição de faraó; ponto que intensificará a evidência da benção protetiva do SENHOR em ambos os casos.
Após partir da terra de Arã, o autor registra a perseguição de Labão, que tomara conhecimento de que seu genro havia partido. Ao chegar ao mesmo ponto em que estava Jacó, antes de deparar-se pessoalmente com ele, uma intervenção divina é narrada: o próprio Deus aparece em sonho a Labão, determinando que este não faça ao patriarca "bem ou mal" (v.24).
O ato divino de tratar diretamente com o inimigo, impedindo-o de ferir ou fazer qualquer outro mal aos seus eleitos, é certamente outro conectivo entre a história de Israel e a de Jacó, tal como salientado anteriormente. Se o objetivo - como cremos - de Moisés é enfatizar a repetição e confirmação da benção protetiva do SENHOR sobre Jacó e com isso, enfatizar o mesmo princípio ao povo de Israel, o desenrolar da trama de perseguição de Labão contra seu genro enseja o ápice da narrativa, demonstrando claramente esse tópico de seu escrito.
No encontro entre Jacó e Labão, um diálogo extenso é iniciado, em que ambos apresentam argumentos que justificam suas ações ou posturas. Pretensiosamente, Labão, após questionar Jacó quanto ao porquê de ter fugido às pressas, afirma ter poder para lhe fazer o mal (cf. v.29), porém, reforça a ideia acima exposta, de que por impedimento divino não o fará. Explicando por sua vez o motivo da fuga, Jacó salienta que tendo trabalhado honestamento para Labão por 20 anos, nunca agiu dolosamente, mesmo diante das más intenções de seu sogro em lhe mudar o salário por dez vezes (v.41). Porém, a lógica da discussão é interrompida quando Jacó, alternando o foco de sua defesa, demonstra desprezo pelos deuses furtados da casa de Labão, ordenando a este que os busque em suas propriedades. Sua ideia é proclamar inocência, o que se prova pelo comentário do autor, de que havia sido Raquel quem tomara os ídolos de Labão (v.32).
O ponto da discussão entre ambos é a buscar por saber quem é o justo, ou o inocente. Após não encontrar os ídolos, ao ter Labão procurado em todas as tendas de Jacó (não sabendo que estava com Raquel em sua sela), o patriarca desfere o argumento que garante sua posição de justiça sobre Labão:
Gênesis 31.42 RA
Se não fora o Deus de meu pai, o Deus de Abraão e o Temor de Isaque, por certo me despedirias agora de mãos vazias. Deus me atendeu ao sofrimento e ao trabalho das minhas mãos e te repreendeu ontem à noite.
Noutras palavras, Jacó atribui a justificação de culpa em relação ao seu sogro à misericórdia e fidelidade divinas, que, por amor de Abraão, fez repousar sobre ele a benção que o protegeu das intenções dolosas de Labão de roubar-lhe, oprimindo-o com um salário constantemente alterado com vistas a prejudicá-lo. Assim, de acordo com a fala de Jacó, Deus protegera seu servo, e dessa forma, não havia dolo em si que justificasse qualquer ação punitiva por parte de Labão.
A partir do versículo 43, uma aliança é estabelecida entre ambos, culminando num acordo que encerra a querela:
Vem, pois; façamos aliança, eu e tu, que sirva de testemunho entre mim e ti. [...] Seja o montão testemunha, e seja a colina testemunha de que para mal não passarei o montão para lá, e tu não passarás o montão para cá. o Deus de Abraão e o Deus de Naor, o Deus do pai deles, julgue entre nós. E jurou Jacó pelo Temor de Isaque, seu pai (vs. 44, 52-53).
A narrativa do pacto entre Labão e Jacó ao final da seção, encerram a ideia de fim da tensão entre os personagens e resolução do conflito, comprovando a tese abordada: o SENHOR, sendo fiel à sua aliança com Abraão, protegeu Jacó de seu adversário, fazendo-o prosperar em detrimento dele.
Transição
Mediante essas considerações, deparamo-nos (segundo já exposto) com a repetição da temática da benção divina que protege os eleitos dos adversários. Porém, qual o sentido de o autor ter enfatizado esse princípios ao longo da saga dos três patriarcas? A resposta a essa pergunta encontra-se na intenção divino/humana de confirmar um padrão histórico através do qual a aliança redentiva é ratificada.
Os três personagens principais da saga patriarcal (i.e. Abraão, Isaque e Jacó), embora, em alguns momentos, tenham cometido erros e pecados parecidos, viveram em contextos diferentes e tiveram experiências muito peculiares em sua trajetória, como é o caso de Jacó ao ser oprimido por seu sogro. No entanto, a despeito de situações distintas, a graça eletiva é a mesma que operou nos eleitos de Deus no passado (Gn 1-11), e agora reservara Abraão e sua prole para serem as ferramentas através das quais o SENHOR estenderia sua benção ao seu povo, desenvolvendo por meio deles uma linhagem redimida pela fé na providência salvífica prometida em aliança pelo Criador.
A repetição da proteção divina mediante livramento e logro sobre adversários, garante à igreja de Deus a certeza de que as promessas redentivas não falharam, e a imutabilidade do Deus da Aliança embasa a fé na vitória iminente.
Entretanto, em que pese o fato de esse princípio ser a tese central do texto, outros aspectos são enfatizados como noções a serem compreendidas pelo povo de Deus.
Aplicações
1. Apesar de nosso ânimo dobre, Deus e mantém fiel à sua aliança.
Raquel, após ter confessado sua fé no SENHOR, ao concordar em partir com seu marido para a terra de Canaã, segundo determinação divina, rouba os ídolos do lar como garantia de sua herança.
Da mesma forma, não poucas vezes em nossa vida, agimos de maneira inconsistente com nossa fé; confessando nossa fé no SENHOR em determinados momentos, obedecendo sua vontade, para logo em seguida, dar vazão ao pecado, nos voltando contra Deus.
Entretanto, embora nós sejamos inconstantes por causa de nossa fraqueza, essa característica não se aplica ao nosso Deus, que sendo fiel, age com misericórdia mantendo sua palavra, nos agraciando com seu favor, nos protegendo dos inimigos.
2. O SENHOR é o nosso juiz diante de nossos adversários.
Ligado a isso, ao constatar a razão de ter logrado Labão, Jacó ressalta: “Deus me atendeu ao sofrimento e ao trabalho das minhas mãos e te repreendeu ontem à noite” (v.42).
O juiz do patriarca apresentou-se no momento em que era oprimido, e lhe favoreceu.
Esse benefício esta de tal forma ligado a Aliança, que tanto o povo de Israel quanto nós, podemos nos apropriar dessa promessa, crendo em nosso SENHOR, no momento da injustiça e perseguição, haverá de nos defender.
Vivenciando as mais diversas situações em que a injustiça de um mundo caído parece prevalecer, o Deus do pacto nos assegura que seu controle não foi minado, e sempre triunfará sobre o mau, assim como fez seu povo vitorioso sobre os egípcios que os escravizavam.
Conclusão
O Deus de Abraão, fez-se presente na vida daquele sobre quem repousou as promessas da sua aliança, garantindo a este a proteção que o fez vitorioso num momento de adversidade.
A igreja de Cristo, aquela que é beneficiária do pacto da graça, possui como penhor e garantia da fidelidade divina, a testificação do Espírito ao nosso coração de que, embora os homens maquinem o mal, o SENHOR certamente o converterá em bem, a fim de proteger-nos para sua glória.