Gênesis 30.25-43

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O redator retoma o tema da benção divina sobre seus eleitos fazendo-os prosperar sobre seus inimigos, como demonstrativo da confirmação da benção abraâmica e da permanência desse favor como guia da história redentiva.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 30.25-43
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
O autor do livro de Gênesis vem estabelecendo ao longo da saga patriarcal, o fluxo de acontecimentos que ensejam a execução dos planos redentivos do SENHOR, em cumprimento à aliança que firmou com Abraão e Isaque, e agora a aplica a Jacó, fazendo com que através desse enredo o povo de Israel seja introduzido a história que demarca sua origem, e também aos princípios que devem ser observados a fim de que Israel viva por modo digno do pacto do qual faz parte, recebendo as grandiosas bênçãos divinas que prefiguram a salvação.
O ponto focal dos últimos episódios têm sido o governo providente do Criador, fazendo com que cada detalhe seja compreendido como ações divinas que estão guiando o patriarca Jacó ao centro da vontade do Soberano no tocante à redenção prometida. Os aparentes percalços, e até os próprios vícios e pecados dos personagens envolvidos, são apresentados e registrados pelo redator como parte do propósito maravilhoso do SENHOR em fazer de Jacó beneficiário da Aliança da graça, que será ultimamente executada pelo Descendente prometido, que viria a partir da linhagem concebida através do próprio Jacó (cf. Gn 29.31-30.24).
Entretanto, todo esse cenário ocorre em terra estranha, ao que a partir deste ponto da saga, o autor prepara-se para narrar a peregrinação de Jacó (em referência a jornada de Abraão e Isaque) de volta à terra de Canaã, a fim de herdá-la, tal como aconteceu com seus pais. Nesse ínterim, outras referências são usadas pelo autor para expor o favor divino sobre seu eleito.
Assim como visto à luz de Gênesis 12.10-20; 20.8-18; 26.11-25, em que após os patriarcas adentrarem a terra de estranhos - que depois de certo tempo, devido a alguns acontecimentos, passam a ser rivais ou inimigos - "expoliam" suas riquezas, tornando-se prósperos graças a bênção divina, é chegado o momento em que Jacó experimentará essa graça, e testemunhará o amor de Deus por seu escolhido, fazendo-o prosperar em detrimento de seus adversários.
Como uma terceira ocorrência desse mesmo padrão, Moisés enfatiza novamente a razão de o povo de Israel ter saído da terra do Egito próspero: o SENHOR, abençoando seu povo, os fez achar mercê diante dos egípcios, tomando-lhes o ouro e a prata, prevalecendo sobre seus algozes, tal como é registrado em Êxodo: "E o SENHOR, fez que seu povo encontrasse favor da parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam. E despojaram os egípcios (Êx. 12.36).
Com isso, a seção de Gênesis 30.25-43 possui o aspecto duplo de 1) reenfatizar o compromisso divino de fazer seu povo vitorioso sobre seus inimigos, e 2) ampliar a compreensão da ação divina de que por meio das próprias adversidades, a fidelidade do Criador em proteger seu povo eleito está mantida, garantindo-lhe o usufruto de sua benção. Em resumo, Gênesis 30.25-43 possui como tese central a retomada demonstrativa da benção divina no êxito sobre os inimigos.
Elucidação
O espólio de inimigos ao longo da história dos patriarcas de Israel, remonta o conflito cósmico fomentado pelo Criador, tal como prometido em Gênesis 3.15, ao emitir juízo condenatório sobre o mal, revelando seu posto de grande juíz e soberano sobre a Criação. Entendendo isso, o próprio conflito é instrumentalizado pelo SENHOR como circunstância através da qual seu nome será dignificado como excelso sobre toda a terra, inclusive na execução do plano redentivo, o qual demarca a vontade soberana de restaurar sua criação para ser o templo em que a comunhão entre ele e seu povo será experimentada para sempre, ao passo que, simultaneamente, os partidários das forças rebeldes serão banidos desse Reino, tendo sido proscritos do favor divino desde a eternidade.
Aprouve ao SENHOR prefigurar no tempo e espaço, isto é, na história do mundo, o desfecho do enredo redentivo, por meio do favorecimento dos eleitos de Deus em detrimento dos ímpios que, embora muitas vezes não se apresentem inicialmente como inimigos, revelam ou desenvolvem (em algum ponto das narrativas) antipatia pelos eleitos do SENHOR. Em Gênesis 30.25-43, o que vemos é a retomada dessa temática, que inclusive repete (como já dito) fatos semelhantes na vida dos outros patriarcas (i.e. Abraão e Isaque).
Após a concepção do penúltimo filho, José (tendo em vista que, diante do todo da narrativa, resta que nasça Benjamim à Jacó), o autor registra uma mudança na narrativa que introduz a migração do patriarca de volta para a terra de Canaã. O acordo que possibilitará esse retorno dá-se em seguida; uma negociação feita entre Labão e Jacó que terminará com o estabelecimento de um preço para que Jacó permaneça mais um tempo trabalhando para seu sogro. Entretanto, uma das partes do acordo, age de maneira dolosa, obstruindo os resultados da outra: Labão, ao ter aceitado a proposta de Jacó de ter como pagamento parte do gado de determinada cor, aparta-os para longe, fazendo com que o rebanho à disposição de seu genro seja de número resumido (v.35).
Nesse ponto, o autor demonstra que a antítese de Labão contra Jacó, é na verdade o figurativo das dificuldades impostas pelos opositores dos planos de Deus contra seu povo. Em que pese os fatos apresentados ao ouvintes/leitores do texto, o redator chama a atenção destes para o enredo metanarrativo que o envolve: a aproximação representativa dos personagens com os aqueles entes com os quais Israel teve de lidar em sua saída do Egito é inevitável, segundo já comentado: Labão impõe condições de trabalho adversas, oprimindo seu genro para que ele permaneça sob seu senhorio; Israel viu-se escravo no Egito, onde pesadas cargas lhe eram impostas (cf. Êx 3.9; 5.6-14) , além da relutância do faraó em deixá-los ir para a Terra Prometida (cf. Êx 7.13).
Entretanto, a ação soberana é evidenciada não somente no conflito em si, mas de maneira tácita, no logro de seu favorecido sobre seus algozes, fato que também referencia ambos os casos (i.e. Israel e Jacó): no tocante a Israel, mediante a opressão no Egito, Deus demonstra seu poder sobre faraó, impondo-lhe duras penas, julgando-o, tal como fora predito a Abraão (cf. Gn 15.12-16 - Êx 7.1-5), e assim, povo de Deus despoja seu exatores, prosperando em vias da ruína do Egito; em relação a Jacó, através de um estratagema que parece (pois de fato não o é) assumir conotações duvidosas (i.e. uma mistura de conhecimento pecuário com crenças folclóricas (cf. WALTON, 2018, p.77)), o patriarca enriquece, tendo o SENHOR retirado a riqueza de Labão, transferindo-a a Jacó (cf. Gn 31.9).
Essa "transferência" executada pelo SENHOR para que Jacó seja favorecido, apresenta-se na narrativa por meio do que parece ser uma resposta de Jacó à má fé de Labão: segundo comentado, havia uma crença popular de que ao dispor certo tipo de vegetal à frente do gado, a concepção dos animais seria influenciada em termos da coloração de cada espécime. Certamente, tal ideia não passava de crendice, e embora Jacó tenha lançado mão de tal artifício, ao explicar o ocorrido às suas mulheres, ele atribui o êxito dessa prática à divina providência:
Gênesis 31.7–9 RA
mas vosso pai me tem enganado e por dez vezes me mudou o salário; porém Deus não lhe permitiu que me fizesse mal nenhum. Se ele dizia: Os salpicados serão o teu salário, então, todos os rebanhos davam salpicados; e se dizia: Os listados serão o teu salário, então, os rebanhos todos davam listados. Assim, Deus tomou o gado de vosso pai e mo deu a mim.
A leitura desses fatos feita por Jacó é usada pelo autor como exortação aos seus ouvintes/leitores: tendo os filhos de Israel obedecido ao SENHOR, fazendo tudo quanto foram instruídos por Moisés - segundo as ordens que este recebera do próprio Deus - foram libertos do Egito com mão poderosa, não por causa de sua diligência em fazê-lo, como se o mérito fosse deles. Os filhos de Israel foram abençoados com a redenção executada pelo Criador, livrando-os da casa da servidão, assim como prometera que faria, em confirmação e cumprimento da Aliança feita com seus pais; Abraão, Isaque e Jacó.
O texto é claro em demonstrar o processo através do qual Deus abençoa seus filhos em detrimento dos ímpios que, embora em alguma medida também recebam bençãos (especialmente por causa dos justos (cf. v. 27: "o SENHOR me abençoou por amor de ti")), definham em seu estado de perdição, ao passo que os justos encaminham-se para o desfecho glorioso que os aguarda.
Após demonstrar esse princípio por meio de um padrão de repetição na vida de cada um dos patriarcas, Moisés salienta de maneira satisfatória uma constante na vida de todo o povo de Deus: o favor divino fará com que, mediante a opressão dos adversários, a igreja logre êxito devido a bênção do SENHOR.
Transição
Se a opressão que a igreja do SENHOR sofre ao longo da história é real, a vitória sobre os inimigos também o é, isso porque, vinculado ao conflito cosmológico decretado em Gênesis 3.15, está a benção soberana do Criador em fazer de seu povo instrumento de sua glória, fazendo-o prevalecer (a despeito de sua pouca força ou pequenez) sobre os adversários.
Assim, tal como a fé de Israel foi fortalecida ao testemunhar através de mais este relato da história de Jacó, a benção soberana que lhe garantia a vitória sobre os seus opressores, a igreja recebe a mesma promessa: o Deus que se revelou em Cristo para nós, há de nos fazer resistir o desfavor dos ímpios, para glória de seu nome em nossa salvação.
Com isso, o texto de Gênesis 30.25-43 nos demonstra o princípio claro do favorecimento divino em detrimento das adversidades e opressões que sofremos nesta vida.
Aplicação
Devemos confiar na benção divina que nos fará vitoriosos sobre os inimigos do Criador e de seu Reino.
A ênfase da Escritura em nos demonstrar a realidade de que estamos vivendo uma batalha cosmológica nesse mundo, muitas vezes passa despercebidos por nós, que estamos focados na particularidade de nossas vidas.
Porém, as dificuldades que sofremos nesse mundo é resultado, muitas vezes, do sistema anticristão que se opõe ao povo de Deus. Injustiças, adversidades, e as dificuldades que enfrentamos para sobreviver num mundo hostil, possui raízes neste conflito prefigurado por Jacó e Labão: o eleito de Deus, em sua vida, viu-se perseguido e oprimido por alguém que desejava obter vantagem na servidão desonesta que lhe era imposta.
Contudo, a promessa do SENHOR para o seu povo é de que mesmo em meio a essa hostilidade, a igreja de Deus logrará Êxito em cumprir seu papel como difusora da glória do Criador no mundo, e receberá a benção de florescer em meio ao ambiente inóspito da rebelião do mundo contra o Soberano.
Conclusão
A herança do SENHOR confiada aos patriarcas, será usufruída por todos aqueles que manifestarem a mesma fé que eles, no Deus que o salva, fazendo-os prosperar a despeito da opressão dos adversário do Reino.
O texto termina com um comentário de Moisés, que tanto resume esta etapa da história de Jacó, como também declara o estado final de todo o povo de Deus: "e o homem se tornou mais e mais rico"(v. 43).
Certamente as riquezas que herdaremos em Cristo, são muito superiores a ouro e prata, servos e servas, e gado: a eternidade com Cristo, gozando de sua presença, é a benção que nos aguarda após um caminho de lutas, através do qual Deus glorificou seu nome em nossas vidas.