Gênesis 27.41-28.9

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O autor divino/humano retrata o início da jornada do filho mais novo de Isaque: Jacó, ingressando-o na saga patriarcal que desenrola o quadro do projeto redentivo, a partir do qual todo o povo de Deus vê-se representado, sendo por sua vez consolado mediante a contemplação da permanência da benção abraâmica sobre o eleito do SENHOR.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 27.41-28.9
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Dando continuidade aos fatos anteriores e avançando mais um capítulo da saga patriarcal, o autor, que já vinha introduzindo a alternância de personagens na narrativa, efetivamente descreve o contexto em que o foco da saga passará a ser as peregrinações de Jacó, filho de Isaque, filho de Abraão, a respeito de quem havia sido publicada a bênção do SENHOR.
Como dito, a passagem progride em termos da exposição dos atos redentivos de Deus através do curso histórico da vida dos patriarcas, e agora o foco central gira em torno do que acontecerá a Jacó. Após ter sua benção usurpada por seu irmão (embora tal benção, de fato, pertencesse a Jacó, tal como já havia sido determinado por Deus), Esaú encolera-se contra ele, planejando matá-lo. A narrativa é então estruturada de acordo com duas sub-seções que se encarregarão de transmitir o futuro do portador da benção divina frente a essa ameaça.
Dos versos 41 ao 45, o autor expõe o cenário que justificará o início da peregrinação de Jacó ao longo da terra de Canaã. A partir do verso 46, até o versículo 9 do capítulo 28, o redator exibe o quadro conceitual que está por trás de todo esse movimento migratório de Jacó: a divina providência o encaminha a cumprir a jornada tal como ocorrera com Isaque, seu pai, e com Abraão, seu avô. Jacó deverá desfrutar da benção do SENHOR enquanto confia na direção divina de sua história, rumo a obtenção daquilo que o próprio Criador prometera a seus antecessores.
Dessa forma, a tese central do texto de Gênesis 27.41-28.9 é a bênção divina como referencial da peregrinação do povo de Deus.
Elucidação
Levando em consideração o teor da passagem que retrata a tensão entre Esaú e Jacó, usada pelo autor bíblico como força motriz que impulsiona a história patriarcal para o progresso dos planos salvíficos de YHWH, o verso 41 do capítulo 27 demarca a introdução da perícope, sendo anexada a esta o capítulo 28.1-9 como sua continuidade, através dos arranjos narrativos que iniciam a saga de Jacó diante de Deus como representante do povo eleito.
Como dito, a perícope é estruturada a partir de um arquétipo duplo em que em primeiro lugar uma narrativa prosaica é montada (27.41-45) a fim de introduzir um quiasmo (vs.1-9) que desdobra os princípios posteriores a serem expostos pelo escritor.
Na primeira parte da seção, o autor justifica a oposição de Esaú contra Jacó: "Passou Esaú a odiar Jacó por causa da benção" (v.41a). Em razão desse perigo, Jacó empreende uma fuga para a casa de Labão; fuga que impulsiona a atenção do leitor para as cenas seguintes. Porém, mudando de estrutura, o narrador concentra atenção naquele princípio que norteará toda a sequência histórica da vida de Jacó. Um quiasmo a partir de 27.46 é estruturado, de acordo com seguinte esquema:
A - Reprovação de Isaque e Rebeca contra as filhas da terra (27.46-28.1)
B - Ordem de Isaque a Jacó para não tomar como esposa as filhas da terra, mas ir à terra de seus parentes (28.2).
C - REPETIÇÃO DA BENÇÃO DE ABRAÃO SOBRE JACÓ (28.3-4)
B1 - Partida de Jacó para outra terra (28.5)
A1 - Rebelião de Esaú casando-se com as filhas da terra (28.6-9).
A partir da compreensão dessa estrutura, passamos a contemplar a narrativa sob foco lançado pelo narrador, reforçando a intenção da redação deste texto.
A tensão entre Esaú e Jacó por causa da benção que fora direcionada ao mais novo em detrimento do mais velho (uma quebra no costume do antigo Oriente Próximo, que é usada pelo autor para enfatizar a graça eletiva), atinge o nível em que a rivalidade entre os irmãos é exposta em seu máximo. Tal antagonia encabeça mais uma vez a narrativa, criando a distinção entre os personagens, distinção essa que serve aos propósitos da providência no que tange ao fluxo redentivo que permeia a história.
Moisés elabora a partir desses fatos, o palco que exporá mais uma vez o balanço histórico que separa justos e injustos, ou mais especificamente; eleitos e réprobos. Da mesma forma que os episódios envolvendo Ismael e Isaque protagonizaram a dinâmica entre os filhos de Deus e os que por ele foram proscritos de seus favor salvador, agora o mesmo princípio teológico é demonstrado na história de Esaú e Jacó.
O ódio mortal de Esaú por seu irmão, aplacado apenas pela espera da morte de seu pai, preocupa Rebeca ao ponto de direcionar Jacó à casa de seu irmão Labão, em Padã-Arã, donde veio, a fim de preservá-lo (vs. 42-45). Porém, outro motivo leva o casal patriarcal (i.e. Isaque e Rebeca) a tomar essa decisão: a decepção de ter visto seu filho Esaú casar-se com as filhas da terra (v.46). A teologia por trás dessa reprovação para com os povos residentes em Canaã é originada a partir do próprio receio de Abraão em que Isaque case-se com uma mulher cananita (Gn24.2-4). A razão para isso é a ameaça representada por tal união, que poria em xeque a continuidade pura da linhagem eleita, iniciada desde a criação em Adão e Eva, passando por Sete, Noé, Sem e Jafé, e agora, continuada em Abraão e Sara, Isaque e Rebeca, e por sua vez, em Jacó.
Entretanto, o ângulo amplificado dessa noção proposto aos ouvintes/leitores do texto, explicita o princípio do pertencimento à comunidade da aliança mediante da fé, tal como se sucedeu com os próprios patriarcas em sua peregrinação. Abraão partiu para uma terra, segundo o mandado do SENHOR, pela fé que tinha no Deus que se revelou a ele (Gn 12.4/Hb 11.8). A partir do mesmo percurso, Rebeca, declara sua fé em Deus, e sai da casa de seus pais rumo à terra que fora separada pelo Criador para ser o símbolo da herança que seria usufruída por todo o seu povo futuramente, e casa-se com Isaque, mirando esses princípios (Gn24.56-60). Agora, a continuidade da descendência divina depende de que Jacó vá a casa dos pais de sua mãe, parentes de Abraão, e de lá tome esposa para si; esposa que disponha da mesma inclinação do coração (concedida pelo próprio Criador) para crer em Deus como seu Redentor, mantendo à salvo a linhagem santa.
Tal compreensão é trazida novamente à base da argumentação autoral, a fim de situar a história de Israel no mesmo quadro narrativo que exibe o que fez o Criador em favor de Jacó, fazendo-o seu filho. O centro nevrálgico da passagem passa a ser a benção abraâmica do Todo-poderoso sobre o filho mais novo de Isaque, providenciando o bom andamento de sua jornada de acordo com a vontade divina, e a rebelião de Esaú, distanciando-se ainda mais desse princípio através do matrimônio com as filhas da terra, confirmando aquilo que havia sido exposto em Gn 26.34-35, isto é, que ele não pertencia à linhagem redimida, e sobre ele não repousa a benção divina.
A partir de 27.46-28.1, o autor registra o aborrecimento de Rebeca e a reprovação de Isaque quanto as filhas da terra, e o temor de ambos de que Jacó se case com alguma delas, como argumentado. A ordem de ir para a terra de Padã-Arã aparece como solução para esse receio, solução que está longe de ser um improviso frente ao contexto adverso, mas, assim como no caso de Abraão e sua peregrinação ao longo da terra implicava fatores espirituais (principalmente no que concerne à sua relação com o Deus da Aliança), o trajeto de Jacó, iniciado na presente seção, demarcará esse mesmo padrão. Como dito, sua ida à Padã-Arã encerra o conceito de acesso à família da Aliança por parte de sua esposa (no caso, das duas esposas, como será percebido mais adiante).
A partir dos versos 3-4, vemos o quiasmo usado por Moisés, centralizar a proclamação das intenções de Isaque; de que seu filho herde as bençãos de Abraão. Essa informação indica uma mudança na postura de Isaque com relação aos seus filhos: antes, querendo abençoar o mais velho, Isaque parecia não querer conformar-se com o fato de que Esaú não pertencia à linhagem divina, porém, diante dos fatos, rende-se às determinações do Soberano, e passa a ver em Jacó a continuação do projeto redentivo empreendido e executado pelo próprio Deus.
A centralização dessa noção na narrativa, intensifica a distinção entre os dois irmãos, acirrando ainda mais a diferença entre ambos, motivo pelo qual Esaú também torna pública sua rebelião:
"Vendo, pois, Esaú que Isaque abençoara a Jacó e o enviara a Padã-Arã, para tomar de lá esposa para si.... [...] Sabedor também de que Isaque, seu pai, não via com bons olhos as filhas de Canaã.... [...] Foi Esaú à casa de Ismael [...] tomou por mulher a Maalate, filha de Ismael, filho de Abraão, e irmã de Nebaiote" (v.6, 8, 9).
Os parentes apresentados na narrativa, em ambos os casos, possuem conotações diferentes em termos do desenvolvimento da história dos irmãos Esaú e Jacó. No caso do filho mais moço, segundo comentado, é dito que vá para a terra de seus parentes maternos (i.e. para a casa de Labão, irmão de Rebeca). Essa ordem, coloca Jacó a mesma rota que o servo de Abraão em Gênesis 24; trazer da terra de seus parentes, esposa para si, a fim de que, pela manifestação da fé desta, declarada por meio da aceitação de partir para a terra de Canaã, a linhagem santa se preserve.
Por outro lado, a associação de Esaú com Maalate, filha de Ismael, também demonstra referências genealógicas segundo a ótica redentiva, porém no sentido contrário: ao associar-se com aquele que fora expulso da presença de Isaque (i.e. Ismael), por não pertencer à família da Aliança, o próprio Esaú publica sua proscrição.
Enquanto que Jacó despede-se de seus pais e obedece suas ordens (uma demonstração que é repetida segundo a ótica do narrador em contraste com Esaú, servindo de demonstração das índoles dos irmãos) (v.5), Esaú, peca novamente contra os preceitos que lhe foram ensinados, e em sinal de revolta, casa-se com outras mulheres da terra.
Transição
O contexto da narrativa de Gênesis 27.46-28.9 nos exibe um forte contraste com os episódios apresentados anteriormente. Se do versículo 1 ao 40, o texto demonstra um quadro negro de incredulidade, astúcia e ira; vícios usados por Deus para publicar sua benção e intenção salvadora sobre Jacó, fazendo com que cada aspecto dessas atitudes, embora negativas, contribua para execução dos planos divinos, agora o texto demonstra os resultados disso: por causa da troca de lugares entre Esaú e Jacó, o Criador movimenta a história da redenção, preparando o cenário através do qual vai usar Jacó como instrumento no cumprimento de seus intentos salvíficos.
Aquilo que havia sido apontado por ocasião da recitação da benção de Isaque sobre Jacó, (quando na verdade queria abençoar Esaú), demonstra ter sido providencialmente arquitetado. O autor consolida a confiança do povo de Israel que, ouvindo/lendo tal relato, deveria tranquilizar seu coração naquela certeza antes declarada: a benção divina perseguirá aqueles que foram eleitos por Deus para a salvação, bastando a estes apenas a confiança e paciência para aguardar o momento em que herdariam as promessas feitas a Abraão, como herança concedida pelo SENHOR aos seus filhos.
O conflito familiar entre Esaú e Jacó reforça essa noção, e agora, vendo a partida de Jacó para Harã, o povo de Israel identifica-se mais uma vez com a saga patriarcal de peregrinação pela terra que simboliza o favor divino. Enquanto que Esaú, em sua cólera, perde-se, não fazendo nada além do que lhe é próprio - pois é um réprobo -, Jacó emerge na história como o continuador da linhagem santa. O fluxo histórico responsável por criar a santa expectativa quanto ao surgimento do Descendente prometido está de pé. A fé do povo é recompensada com a confirmação da promessa: assim como Deus fora fiel ao que dissera no passado, é fiel hoje, tornando seu povo, participante (por meio da descendência eleita, à qual adentra-se pela fé) da herança abraâmica.
À luz disso, o texto de Gênesis 27.41-28.9 nos remete alguns princípios que devemos observar e aplicar à nossa vida.
Aplicações
1. A cólera dos ímpios, assim como seu pecado (tal como demonstrado à luz da seção anterior) estão debaixo do controle divino, que usa essas coisas também para benefício de sua igreja. Não devemos temer o mal.
A partida de Jacó para Padã-Arã inicia sua saga e jornada na fé diante de Deus. Isso foi proporcionado através da fúria descontrolada de Esaú contra seu irmão. O contexto de ameaça, embora possa ser visto dessa forma por nós, era na verdade o ensejo criado pela divina providência para encaminhar seus planos.
Assistindo o rápido e, aparentemente, "descontrolado" crescimento do furor dos homens contra a igreja do SENHOR hoje, podemos nos amedrontar. Mas não há o que temer: a ira dos homens contra a igreja é parte dos planos divinos, tanto quanto os bons ares que muitas vezes desfrutamos em nossa vida. Basta lembrar-se que em Gn 3.15, a luta entre as sementes não é criada pelo ódio de Satanás contra a igreja, mas pela providência e soberania do Todo-poderoso que governa a história.
Jacó, protegido por seu pais, é enviado para a jornada que refinaria sua visão, moldaria seu caráter, e retornaria à Terra Prometida como Israel: príncipe de Deus. O triunfo reservado para a igreja, está no final de uma jornada iniciada também com a perseguição da semente da Serpente, mas que, inevitavelmente, exibirá a graça do SENHOR em nos ter salvo, através da execução perfeita de seus planos graciosos. O que nos leva ao segundo ponto.
2. O SENHOR nos está levando, através deste mundo, por uma jornada que findará com a recepção da herança prometida.
Ao repetir a benção sobre Jacó, Isaque passa a enxergar (pela fé) o desfecho da história: Jacó, como o eleito de Deus, possuiria as terras de suas peregrinações, tal como ele mesmo, e Abraão antes dele. Por isso, reafirma o pertencimento de Jacó à linhagem santa, demonstrando a fé que crer que todos os eleitos de Deus seriam abençoados por meio de seu filho, especificamente através do Descendente Prometido vindo de sua semente: Cristo Jesus, e dos frutos que sua jornada produziriam.
A certeza e solidez da nossa fé consiste em fazermos parte deste povo: daquelas nações originadas a partir de Jacó (v.3), a quem fora prometido - ao mesmo tempo em que é comunicado a Jacó, por meio da benção de Isaque - a obtenção da herança prometida: a Canaã celestial.
Conclusão
Incredulidade, astúcia, ira, fuga, desobediência, fé, confiança, convicção, benção; as cores usadas por Deus para pintar o quadro providencial onde seus plano seriam exibidos através da vida de Jacó, ressaltam para nós a sabedoria do Criador, em nos assegurar a benção que ele nos concedeu em Cristo: a eleição e a herança da graça, repassada a todos os seus filhos, assim como as benção de Abraão estiveram sobre Isaque, e deste passaram a Jacó, que por sua vez, foi o difusor da graça divina, cumprindo aquilo que fora dito ao primeiro patriarca: em ti serão benditas todas as famílias da terra (cf. Gn 12.3).