Gênesis 26.17-35

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O autor bíblico demonstra a confimação e repetição da bênção divina proferida a favor de Abraão sobre seu filho, Isaque, garantindo que o mesmo desfrute das promessas feitas anteriormente, que lhe asseguram a possessão da terra de Canaã como marco da redenção a ser executada finalmente, nutrindo a fé de Isaque na mesma salvação revelada a seu pai.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 26.17-35
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Assim como temos visto ao longo da saga abraâmica, o SENHOR tem agido com Isaque tendo suas promessas à Abraão como referência. Não devemos entender essa continuidade como uma repetição, mas como uma progressão (segundo já temos analisado) em que a bênção do SENHOR sobre o primeiro patriarca, estrutura a narrativa salvífica tal como se sucede ao segundo.
Da mesma forma como para Abraão o pacto divino consistia na garantia do usufruto de duas graças em particular, quais sejam; descendência - da qual viria "O Descendente"(cf. Gn 3.15 - Gn 12.7), e a terra, símbolo da herança final reservada para o povo de Deus, esse mesmo arquétipo é confirmado à Isaque. Na primeira seção (vs. 1 à 16), vemos uma ênfase especial na garantia de que de Isaque surgiria uma numerosa descendência, e por meio dele, todas as nações da terra seriam abençoadas, embora o relato também carregue em anexo a menção à posse da terra. Para tal, a incondicionalidade da bênção divina que lhe protege dos inimigos, assim como acontecera a Abraão, é trazida à lume.
Entretanto, o foco central da segunda seção (vs. 17 à 35) volta-se exatamente para a posse da terra como cumprimento da palavra divina a Abraão, a despeito do empreendimento dos adversários em usurpar-lhe o que é seu por direito divino.
Se no primeiro momento, o autor bíblico valeu-se da promessa divina de uma descendência, confirmando os planos redentivos revelados à Abraão agora para Isaque, garantindo-lhe proteção diante dos adversários - o que implica na continuidade de sua linhagem -, a base sobre a qual ele elabora a continuidade da narrativa da experiência de Isaque em Gerar é a demonstração do favor divino que lhe confirma a posse da terra, assim como dito a Abraão.
Logo, tese central dessa segunda parte do capítulo 26 de Gênesis é demonstrar a confirmação da promessa abraâmica de possessão da terra prometida.
Elucidação
A contenda entre os pastores de Gerar com os pastores de Isaque, chama a atenção do ouvinte/leitor para os fatos ocorridos com Abraão em Gênesis 21.22-34, em que há uma clara oposição por parte dos habitantes daquelas terras em que o patriarca fixe residência. Devemos lembrar que o teor da contenta está implícito às promessas de Deus, isto é, sendo os filisteus naturais daquelas localidades, Abraão é que seria o estrangeiro, porém, a promessa feita por Deus a este consistia na posse de Canaã a despeito dos habitantes que nela estavam, tendo inclusive já sido julgados por Deus anteriormente, sendo lavrada contra eles a sentença de desterramento, tal como registrado em Gn 15.13-16.
É a promessa divina que atesta à Isaque a posse da terra, por essa razão, qualquer tentativa de obstrução à obtenção da bênção - o que está sendo feito pelos filisteus - configura-se numa rivalidade contra Deus e seus planos. A narrativa inicia essa segunda seção enfatizando exatamente essa postura da parte dos pastores de Gerar:
v. 18: [...] "Os filisteus os haviam [os poços] entulhado depois da morte de Abraão".
v. 20: "Os pastores de Gerar contenderam com os pastores de Isaque".
v. 21. "[...] Também por causa desse [poço] contenderam".
A sequência de nomeação dos poços nos versos 19-22, demonstra tentativas de atribuição de pertencimento, uma espécie de registro quanto a quem era o proprietário de determinado recurso natural, como é o caso dos poços, como salienta Walton:
Uma forma de designar o proprietário de um poço ou de outros recursos naturais era a escolhendo um nome. Assim que o nome passasse a fazer parte da tradição, não seria difícil vincular a posse a quem deu o nome. Essa era uma maneira de resolver qualquer contenda que surgisse e de evitar disputas posteriores (WALTON, 2018, p. 72).
Na narrativa porém, essa disputa de nomeação ganha contornos diferentes. Ao passo que os poços são entulhados, cavados ou reabertos, a oposição dos pastores de Gerar sobre a permanência de Isaque entre eles, acentua, como dito, sua rivalidade contra a vontade divina de conferir a Isaque a propriedade daquelas terras. Até que por fim, tendo atribuído ao SENHOR o fim da contenta, Isaque nomeia o último posso, e interpreta esse fato a partir da bênção do Criador: [...] "Porque agora nos deu lugar o SENHOR, e prosperaremos na terra" (v.23b).
Nesse ínterim, outra teofania demarca a veracidade e fidedignidade das palavras divinas, dirigindo a Isaque a repetição das bênção proferida a favor de Abraão. Entretanto, como ponto referencial e conectivo entre as narrativas abraâmica e isaica, o autor bíblico introduz o desfecho do relato - momento em que Isaque e Abimeleque estabelecem termos de acordo - com um marco que encerra a experiência abraâmica: a construção de um altar e a adoração a Deus.
Em Gênesis 21.32-34, o autor bíblico registra o fato de que, após Abraão ter feito aliança com o rei dos filisteus, ele "plantou tamargueiras em Berseba e invocou ali o nome do SENHOR, Deus Eterno" (Gn21.34). Embora na situação de Isaque a mesma atitude venha primeiro (após o SENHOR lhe ter aparecido, confirmando novamente sua bênção), o autor está rememorando aquela cena protagonizada por Abraão, a fim de apontar que um juramento haverá de ser feito entre Abimeleque e Isaque, (tendo sido esse o contexto seguinte da adoração que Abraão prestou a Deus); juramento esse que serve com símbolo do desfrutar da bênção divina que lhe garante paz, isto é, a cessação de conflitos entre ambos, possuindo Isaque aquelas terras (ainda que referencialmente, pois não habitava toda a terra de Canaã).
Após esse bloco em que a tensão entre Isaque e os filisteus é dissipada, tendo o patriarca encontrado graça aos olhos de Deus ao ter recebido a promessa divina que lhe assegura a terra, a narrativa é encerrada com um adiantamento que se encarrega de preparar o ouvinte/leitor para os eventos a seguir.
Nos versos 34 e 35, Moisés volta a falar de Esaú, tratando de seu matrimônio indesejado por seus pais. Em nota explicativa quanto ao verso 34-35, a Bíblia King James Atualizada, salienta:
Isaque e Rebeca sabiam que a razão porque Abraão esteve tão preocupado e temeroso que o filho se casasse com uma mulher pagã tinha a ver com o fato de que era praticamente geral a ignorância em relação ao verdadeiro e soberano Deus, Elohim (Bíblia King James Atualizada, 2012, p. 81).
Essa menção aparentemente "desconectada" da narrativa, é realizada pelo autor a fim de enfatizar novamente o percurso da bênção divina sobre os patriarcas. Numa que a bênção do SENHOR (protegendo dos inimigos e garantindo a possessão da terra de Canaã) foi o tema de todo o capítulo 26, Moisés prepara-se para prosseguir o registro da saga isaica, apontando a não participação de Esaú nesta bênção, o que lança a expectativa (tal como já introduzido pelo relato de Gn 25.19-34) sobre Jacó. Calvino afirma que a mistura de Esaú com filhas dos habitantes daquela terra, cujo desconhecimento de Deus fez com que Abraão os rejeitasse como candidatos a oferecem uma esposa ao seu filho Isaque, "era um tipo de prelúdio de sua rejeição" (CALVINO, 2019, p. 83).
Ao contrair matrimônio com as filhas de hete, Esaú demonstra que não será a partir de sua linhagem que a descendência espiritual de Abraão será continuada (cf. Bíblia de Estudo de Genebra, 2009, p. 53).
Transição
Gênesis 26 é a exposição do quadro teológico por meio do qual Moisés está exibindo a benção patriarcal conferida por Deus de maneira soberana sobre aqueles que representam toda linhagem santa que é beneficiada pela graça do Soberano. O que é prometido a Abraão passa para Isaque: a continuação da linhagem mediante a proteção divina diante de rivais, e a posse da terra como símbolo da pátria celestial que pela fé será dada ao povo de Deus.
Tal bênção amplia o horizonte redentivo, confirmando a participação de todo aquele que fora chamado a peregrinar segundo a Palavra do SENHOR neste mundo, aguardando sua entrada na herança desejada. Por outro lado, o texto finda-se com uma outra peculiar lembrança: a de que os não eleitos, não usufruirão de tal bênção, o que fica claro através de seu procedimento profano e rebelde.
Em vista disso, esta segunda seção de Gênesis 26 (vs. 17 à 35), salienta alguns princípios a serem observados por nós.
Aplicações
1. A centralidade da bênção divina sobre os eleitos independe da aceitação ou rejeição dos ímpios.
A rivalidade entre os pastores de Gerar e Isaque devido a possessão dos poços, que por sua vez representava a possessão da terra, encena bem a antítese entre os povos da terra de Canaã e Israel. Mediante a bênção divina, Israel demonstraria sua condição distinta diante de Deus, atraindo à si aqueles que o SENHOR chamaria à salvação. Porém, anexo a essa "fama" de abençoado do SENHOR - mesma "fama" que Abimeleque e seus conselheiros atribuem a Isaque - está a inveja e antagonia que tornam a convivência com esses outros povos delicada e até difícil.
De maneira análoga, a igreja do SENHOR em todos os tempos, sempre viu-se diante desse dilema: propagar a glória de Deus através de sua vida, expondo o favor do Altíssimo para consigo, despertando o furor dos inimigos do Criador por causa disso. O repouso da mão protetora e providente de Deus sobre seu povo, desperta a guerra travada desde Gênesis 3.15.
Entretanto, tal rivalidade não influencia o resultado: Deus não retira a sua bênção temendo que seu filho Isaque fosse mais hostilizado, pois sua fidelidade faz com que este ache graça aos olhos dos inimigos, tendo estes reconhecido a presença do Soberano sobre a vida do patriarca. Da mesma sorte, nós, igreja do SENHOR, não precisamos temer o ranger dos dentes dos inimigos da fé, pois, certamente obteremos forças para vencer os adversários, não pela espada, mas pela Palavra de Deus, e quando bem aprouver a Ele, até mesmo os ímpios hão de reconhecer que a bênção divina está sobre nós.
2. Nossa participação na bênção divina é revelada através de nossa obediência aos mandamentos de Deus.
Como vimos na seção anterior, a bênção de Deus sobre Isaque é incondicional, isto é, não merecida pelo patriarca por causa de sua perfeição em obedecer ao Criador, embora seus mandamentos e estatutos sejam rememorados a Isaque através daquilo que viveu Abraão (Cf. Gn 26.5). Em que pese isso, não podemos encorajar nosso coração a pensar que poderá desfrutar da graça do Soberano através de um modo de vida incongruente ou incoerente à fé em Deus, isto é, aos mandamentos divinos.
Esaú, como filho de Isaque, caminhou na contramão das ordenanças recebidas por seu pai do Todo-poderoso, e virou as costas para a fé. Apesar de anteriormente Deus já ter revelado sua soberania em ter elegido Jacó e não Esaú, a decepção de seus pais é notória, ao ver que Esaú desviara-se dos caminhos santos, contraindo matrimônio com as filhas da terra. Embora esse fato não represente uma novidade, a naturalidade da expectativa que os filhos sigam os passos de seus pais no tocante a devoção à Deus é interrompida quando Esaú revela que seu coração não está no Criador, e por essa razão, está proscrito da bênção divina.
Nossa obediência revela não somente para o mundo, mas também para nós mesmos, que fazemos parte do povo eleito de Deus, agraciado com a misericórdia dele que derrama sobre nós incontáveis dádivas, sendo a maior delas, esse mesmo pertencimento. Somos salvos por Deus em Cristo, seu Filho, que proporcionou nossa inserção no número daqueles que acharam graça aos olhos do Criador, e nossa obediência é a marca disso.
Conclusão
A fé de Abraão o fez contemplar ao longe o cumprimento do pacto divino: Cristo, o descendente prometido, executou com auto-sacrifício a redenção prometida. Essa mesma palavra anexada a moradia eterna, a qual o primeiro patriarca aguardava.
Isaque agora, vislumbra a mesma promessa, demonstrando que a entrada na Terra Prometida não era uma peculiaridade de Abraão, mas de todos os que pela fé a aguardam como ele.