Gênesis 25.12-34

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 12 views

O autor especifica o tema da ação redentiva de Deus na história, por meio da demonstração da graça soberana que elege para participar dessa redenção a quem quer, rejeitando os critérios humanos como requisito para fruição dessa bênção, usando como referência da continuidade da obra redentiva, a história do nascimento de Jacó e Esaú.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 25.12-34
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Adentrando a nova saga que registrará os planos redentivos de Deus na história, o autor narra os livros das respectivas gerações de Ismael e Isaque, porém, ao fazer isso, ele também chama a atenção para um aspecto particular da obra salvadora, conforme vendo sendo referenciado desde Gênesis 3.15.
Diversos subtemas vêm sendo elaborados e expostos ao longo da narrativa bíblica de Gênesis. Por exemplo, à luz de Gênesis 1 e 2, observamos que a intenção do autor é demarcar o ponto basilar e inicial da história sobre o princípio da soberania de Deus, narrando a obra da criação. Em Gênesis 3, essa soberania é afrontada, porém, de maneira providente, o próprio Criador publica a menção de restauração no verso 15, que enfatiza uma distinção a ser feita na própria história, levando em consideração aqueles que serão favorecidos por Deus pela restauração de sua criação, e os que serão condenados por sua insurgência. Essa distinção toma forma de conflito entre duas linhagens (i.e. descendentes da mulher e descendentes da serpente), que gera por sua vez uma tensão que movimenta a história através da expectativa de que o Descendente prometido (cf. Gn 3.15) encerre a trama, declarando a inevitável vitória de Deus sobre o opositor e sobre o pecado.
Com isso, a distinção ou diferenciação dessas linhagens realizada ao longo da narrativa, sempre ressalta os planos salvadores de maneira peculiar, dando continuidade ao enredo redentivo por intermédio do conflito entre essas descendências , e em Gênesis 4, o embate entre sementes segue: embora o primogênito seja Caim, o autor demonstra que o herdeiro da fé é Abel. Subsequentemente, embora este tenha sido assassinado por seu irmão, é providenciado outro descendente (cf. Gn 4.25): Seth, e através deste, o livro das genealogias de Adão culmina noutro personagem: Noé, tendo este "achado graça aos olhos de Deus" (Gn 6.8), um indicativo de que a bênção redentiva permanece fluindo.
Por meio da saga noética, o tema de juízo e salvação num mesmo ato divino é exposto. Contudo, após "perecer toda a carne que se movia sobre a terra" (Gn 7.21), a tensão que serve de força motriz para a história redentiva é mais uma vez trazida ao centro do palco, e a semente da serpente sobrevive: Cam, pai de Canaã, se mostra filho do maligno, ao passo que Sem e Jafé, representam o povo escolhido (Gn 9.20-27). Nesse momento, a trama salvadora ganha uma especificidade: a salvação não estaria confinada à uma hereditariedade, mas abrangeria homens e mulheres de todas as nações sobre a terra (Gn 10 - 11).
Por fim, na narrativa abraâmica, a distinção feita por Deus entre os que lhe pertencem e os que determinou para a perdição, é evidenciada pelo plano da promessa de Deus explicitado por meio de Abraão, quando Isaque é declarado como representante da descendência da fé, enquanto que Ismael, embora abençoado, não faz parte deste povo (Gn 21.10-12).
Com isso, após ter se preocupado em expor temas como: a soberania de Deus sobre a criação; a publicação dos planos salvadores; o conflito entre as linhagens como palco para o surgimento do Descendente prometido e o alcance da salvação aos filhos de Deus a partir de todos os povos da terra, no texto de Gênesis 25.12-34, Moisés concentra-se em expor a eleição divina como tópico responsável por levar adiante a história da redenção.
Elucidação
O autor elabora essa perspectiva retomando as estruturas genealógicas (como é o caso da seção anterior) e seccionando ambas as história por meio desse recurso literário. Ismael e Isaque são distinguidos, possuindo cada um seu próprio livro genealógico, enfatizado pelos respectivos desdobramentos em relação à promessa divina.
O texto divide-se em duas seções: a primeira (vs.12-18), conforme o verso 12 registra, encarrega-se de registrar "as gerações de Ismael, filho de Abraão, que Agar, egípcia, serva de Sara, lhe deu à luz". O título "egípcia" designado para Agar neste verso, funciona quase como um aposto; um identificativo para demonstrar que Ismael não é o filho da promessa que Deus havia feito a Abraão. Sendo filho da estrangeira, conforme a narrativa de Gênesis 21.12-21, Ismael é devidamente separado de Isaque, a fim de que ficasse evidente que a bênção salvadora não estava sobre ele, nem sobre sua descendência.
Porém, à luz daquele mesmo texto, há uma bênção reservada para Ismael, que por sua vez, é um cumprimento da própria palavra dirigida a Abraão: do patriarca, Deus faria surgir numerosas nações (Gn 17.6), o que é repetido acerca do próprio Ismael:
"[...] Multiplicarei sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada. [ele] habitará fronteiro a todos os seus irmãos" (Gn 16.10-12).
As linhagens que se seguem nesta primeira seção, relacionam doze nomes: doze príncipes, conforme havia sido prometido por Deus (Gn 17.20). Por meio dessa lista, Moisés está exortando o povo de Israel a contemplar a bênção do Criador sobre outros povos, o que possui implicações bastantes contundentes: apesar de serem estrangeiros e não usufruírem da benção redentiva, o SENHOR foi misericordioso, sendo fiel ao que prometera, e de Ismael faz surgir poderosas nações, regidas por homens de renome.
Nada obstante, a seção conclui com a repetição de outra cláusula da promessa de Deus, mencionada em Gn 16.12: "Ele se estabeleceu fronteiro a todos os seus irmãos" (v. 18). É possível que a lembrança desta parte da promessa feita a Abraão em relação a Ismael, possa também indicar sua relação com os outros filhos do patriarca que lhe nasceram após a morte de Sara, isto é, os filhos de Abraão com Quetura. Porém, uma perspectiva mais razoável, sugere que o autor tem em mente outra distinção entre Ismael e Isaque, elaborada para enfatizar a lacuna entre ambos em termos da redenção, numa que, quando foi declarado que Ismael estaria fronteiro a seus irmãos - "irmãos" aqui seria um referencial a esses outros filhos do patriarca em sua relação com sua segunda concubina - , Abraão não havia ainda desposado Quetura, o que pode significar que a promessa está se dirigindo também aos descendentes de Ismael, que ficariam a parte da graça eletiva.
Em relação a segunda seção (vs. 19-34), o autor expande a compreensão distintiva em relação a bênção salvadora, através da narrativa do nascimento dos filhos de Isaque.
Os versículos 19 e 20, ligam o personagem aos fatos anteriores, especialmente o fato de ser filho de Abraão. A ausência da referência à sua mãe, serve de ênfase: Ismael teve sua filiação materna exposta, a fim de que ficasse evidente que não pertencia à linhagem da fé da qual seu pai é progenitor. Tal informação não precisava ser dita a respeito de Isaque: a ausência do nome de sua mãe, nesse caso, confirma sua procedência.
A partir do verso 21, o autor elabora o desenvolvimento da história da redenção em Isaque, através moldes semelhantes aos fatos que ocorreram com Abraão. Em Gênesis 11.30 é dito que Sarai (i.e. Sara) é estéril, e não podia ter filhos. A mesma situação ocorre com Rebeca (cf. "porque era estéril" (Gn25.21)). Da mesma forma que aconteceu Sara, a esterilidade de Rebeca será usada por Deus para garantir a compreensão de que a salvação é uma dádiva soberana e sobrenatural, isto é, não pode ser obtida a partir dos métodos e esforços humanos. A salvação prosseguirá avançando e abençoando os eleitos do SENHOR, mediante a operação miraculosa dele mesmo.
Ligado a isso, outra vez a rixa entre linhagens protagoniza o texto bíblico de Gênesis. Tendo ouvido as orações de Isaque, o SENHOR faz com que Rebeca engravide, ao que também é dito que " os filhos lutavam no ventre dela" (v. 22). A razão para todo esse desconforto é trazida a tona:
"Duas nações há no teu ventre,
dois povos, nascidos de ti se dividirão:
um povo será mais forte que o outro,
e o mais velho servirá ao mais moço" (Gn 25.23).
A rivalidade se intensifica ao nascerem ambos: o primogênito sai do ventre materno sendo segurado no calcanhar pelo mais moço, refletindo o conflito espiritual existente entre eles. A narrativa da concepção e nascimento de Esaú e Jacó, filhos de Isaque, encena o drama redentivo sob os auspícios da soberana eleição. Além disso, um princípio complementar é estabelecido, reforçando essa tese: assim como ficou claro através da intervenção divina na concepção de Rebeca, Deus demonstrou que o critério da salvação é sua eleição, pois, tendo o SENHOR previamente elegido quem quis para a salvação, procurou demonstrar que o logro da redenção é obtido somente pela graça, agindo por meio de um contraste ou antítese: o fraco é escolhido em detrimento do mais forte; o importante é rejeitado à despeito de sua posição. No caso de Esaú e Jacó, o primeiro está fadado a servir o segundo.
Essa ideia fica clara no paralelismo sinonímico do verso 23, conforme demonstrado anteriormente . A mesma ideia é enfatizada duas vezes, porém os personagens registrados são postos em oposição:
Um povo será mais forte - uma referência a Esaú ("forte" significando "primeiro" ou "primogênito") - que o outro (i.e. Jacó).
E o mais velho (rf. ao povo mais "forte") servirá o mais moço (rf. ao povo mais "fraco").
O contraste ocorre pela caracterização dos personagens mencionados na profecia, que frustra propositalmente as expectativas dos leitores, assim como aconteceu em Gênesis 4.1-7, em que sobre Caim, o primogênito, é posta a esperança de que fosse o descendente prometido, mas no verso 2, o autor muda a visão dos leitores quanto aos personagens, alterando a ordem de apresentação dos mesmos: "Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador" (Gn 4.2). O fluxo ordinário para essa caracterização pediria que Caim fosse notado antes de Abel, porém, com essa inversão o autor ressalta Abel (o segundo) sobre Caim (o primeiro).
O mesmo ocorre em Gênesis 25.23-25, com o diferencial de que, se antes o agir divino estava implícito, agora, está nítido: a divina eleição está posta sobre aquele de quem menos se espera - Jacó em detrimento de Esaú -, provando que a obra redentiva não favorece os notáveis às vistas humanas, antes, contempla apenas aqueles que foram escolhidos pelo Criador, princípio que será abordado na seção final do capítulo.
Os versos de 27 à 34 servem como um apêndice, uma narrativa explicativa dos temas anteriormente elaborados. A preferência de Isaque por Esaú e Rebeca por Jacó, formam outro adiantamento às cenas seguintes, em que cada personagem, reagirá de maneiras diferentes à vontade revelada do SENHOR para o futuro dos irmãos.
No verso 29, a trama gira em torno de uma negociação questionável entre os gêmeos. O ponto abordado por Moisés é mais uma vez guiar a atenção de seus leitores/ouvintes para a movimentação da história da redenção debaixo da soberania divina. A vontade de Deus, tal como já ficou clara, cuidará de fazer de Jacó o instrumento através do qual executará seus planos redentivos, a despeito de sua malícia em tomar de seu irmão o direito de primogenitura, por meio da venda de um prato de lentilhas, e aqui se encontra mais uma ênfase que intensifica a intenção pastoral do texto: à essa altura da argumentação, o povo de Israel já deveria compreender que a salvação acontece de acordo com a determinação eletiva, isto é, são salvos apenas aqueles que ao SENHOR foi agradável selecionar. Contudo, em que pese isso, o autor também começa a deixar claro que a eleição não possui como critério qualquer aspecto meritório, numa que, Jacó é destacado como eleito, mesmo tenha apresentando (pelo menos neste ponto de sua vida) uma moralidade bastante corrupta.
Por outro lado, tal como acontecera com Abraão, as fragilidades morais de Jacó concorrem para a execução dos planos do Criador: Esaú vende seu direito de primogenitura, encenando a primazia que Jacó adquire sobre ele, tendo em vista o amor eletivo do SENHOR que recai sobre o segundo em face do primeiro.
Segundo Walton: "o direito de primogenitura dizia respeito apenas à herança material proveniente dos pais. A herança era dividida pelo número de filhos, mais um, pois o mais velho recebia duas partes da herança (WALTON, 2018, p. 71). Dessa forma, Esaú não deixa de ser o filho primogênito, mas perde o direito à parte que lhe cabia da herança, e assim, a narrativa conecta Jacó à Isaque, e este por sua vez a Abraão: a herança do primeiro patriarca não será propriedade daquele que tem o direito, mas pela graça divina, será direcionada ao escolhido de Deus: Jacó.
Interpretação de Gênesis 25.12-34 à luz do Novo Testamento
Ao chegar ao Novo Testamento, a leitura feita pelos autores é de observar a obra eleitva, tal como concebida por Moisés, a fim de aplicar o mesmo princípio à igreja. O apóstolo Paulo em Romanos 9, amplia o quadro da obra salvadora com base no plano divino, a partir do qual, pela graça, separou para si um povo cujo sacrifício de Cristo redimiria, publicando sua condição de propriedade peculiar do SENHOR.
O argumento do Apóstolo inicia-se com a consideração de que a salvação não é herdada mediante hereditariedade, isto é: "nem todos os de Israel são, de fato, israelitas" (Rm 9.6b). O critério final para a redenção, segundo Paulo, é a escolha soberana do Criador, destacando uns dentre todos para receberem seu favor gracioso. Nesse ínterim, a narrativa patriarcal é usada como modelo de execução da obra salvífica, e a transição dos planos redentivos de Abraão para Isaque é o demarcador dessa continuidade, exemplificada por sua vez através da promessa do SENHOR quanto a concepção de Sara e Rebeca:
[...] "Estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa. Porque a palavra da promessa é esta:
Por esse tempo, virei, e Sara terá um filho.
E não ela somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai" (Rm 9.8–10).
O clímax da explicação é atingido quando o próprio apóstolo expõe a razão de a salvação possuir esse modus operandi "para que
o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama" (Rm 9.11): os irmãos (i.e. Esaú e Jacó), não haviam cometido nenhuma ação benéfica ou maléfica, pois ainda não tinham nascido, entretanto, o decreto divino já havia sido sancionado, e culmina citando o verso 23 de Gênesis, tal como já abordado: "o mais velho será servo do mais moço".
Reforçando essa noção, o apóstolo usa outro texto veterotestamentário: Malaquias 1.2-3, em que a referência a Esaú e Jacó mostra o plano eletivo de Deus para com Israel. O texto citado por Paulo encontra-se na apresentação do oráculo profético, ao iniciar as acusações contra Israel, momento em que o SENHOR exibe também seu amor e graça para com o povo, punindo os inimigos, dentre os quais se encontram os edomitas; descendentes de Esaú:
"Eu vos tenho amado, diz o Senhor; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? —disse o Senhor; todavia, amei a Jacó, 3 porém aborreci a Esaú; e fiz dos seus montes uma assolação e dei a sua herança aos chacais do deserto" (Ml 1.2–3).
Assim, o argumento do profeta é de que, por ter ele escolhido a Jacó, manterá seu favor ao seu servo, destruindo seus adversário. A obra redentiva, inclui a demonstração do amor que garante à Israel o posto de "filho de Deus" (Ml 1.6, 10).
A verdade referendada na Escritura, tanto no AT quanto no NT, encerra a perspectiva de que o povo de Deus é salvo mediante a graça do SENHOR, que não usa - como também já vimos - os méritos humanos como requisito para a salvação.
Transição
O texto de Gênesis 25.12-34 estrutura a obra da redenção, expondo por meio da narrativa das linhagens de Ismael e Isaque a execução da eleição soberana do SENHOR, favorecendo aqueles que separou para fazerem parte de seu povo. Assim, a intenção do texto, tal como concebida pelo autor, é enfatizar para o povo de Israel que sua salvação está garantida e assegurada pelo próprio Deus, não somente por causa da fidelidade dele em manter sua palavra, mas porque a promessa foi empenhada tendo em vista a inalterabilidade de seus planos e sua soberania.
Tais princípios por sua vez, são estruturados de forma a deixar claro dois pontos que fundamentam essa exortação, os quais passamos a expor.
Aplicações
1. A salvação é um dom de Deus, usufruído apenas por quem ele soberanamente elegeu.
Como dito no início, diversos subtópicos estão sendo abordados pelo texto de Gênesis, ao longo de sua narrativa. Outro desses temas é a eleição divina como base da obra da redenção. Desde a eternidade, o Deus Triuno - Pai, Filho e Espírito Santo - decretou que haveria de glorificar seu nome, através de uma trama em que triunfaria sobre o mal, punindo-o, e de contra partida, demonstraria seu amor e graça de maneira especial para com um povo que redimiria, assim como a toda a criação.
A exclusividade do pertencimento a esse povo é um conceito que só pode começar a ser adequadamente explicado através da compreensão do exercício da soberania do Criador em chamar a quem quer ao seu Reino como filho, em seu único Filho: Cristo Jesus.
Esse é o argumento final do apóstolo Paulo, no mesmo texto citado de Romanos 9:
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: "Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão". Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: "Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra". Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz (Rm 9.14–18).
O fim último da obra da redenção é dar glória a Deus; glória a um SENHOR que é onipotente, agindo da maneira como melhor lhe parece, sabendo nós que, toda a ação divina é tão sábia quanto poderia ser, isto é, a perfeição dos planos divinos é um atributo inerente ao próprio ser de Deus. Assim, tendo quisto enaltecer-se por meio da salvação de alguns, o Criador declara sua supremacia sobre e todos.
À nós, pequenos vasos de barro, preparados para sua glória (Rm 9.23), resta o cântico de gratidão, por termos sido contemplados pelo infinito e insondável amor de Deus.
2. O critério da eleição é a soberania divina, exclusivamente.
A exortação de Moisés nesse texto, também visa a desanimar qualquer intenção que porventura surgisse no coração do povo, em achar que foram de alguma forma salvos por algo que o Criador tenha antevisto em qualquer um. De pelo menos duas formas o autor expõe essa realidade:
I. A eleição não ocorre tendo em vista critérios de desempenho ou de importância. Em primeiro lugar: nada é dito quanto Ismael e Isaque: se foram bons ou se foram maus (de maneira específica). A despeito do episódio em que Ismael tenta usurpar o lugar de seu irmão, nada além é mencionado como atributo de moralidade em ambos, mas ainda assim, Isaque é destacado em detrimento de Ismael. Segundo; quanto a Esaú e Jacó, a figuração é ainda mais intensa: no verso 27, Esaú se sobressai, pois a ele são atribuídas características dignas de admiração (cf. Gn 25.27 "homem conhecedor da caça" (hb. lit.), " homem do campo"), inclusive sendo preferido por seu pai Isaque. Enquanto que, com relação a Jacó, apenas é dito que era homem pacato (hb. "tranquilo" (HOLLADAY, 2010, p. 556)). Se o critério para a salvação fosse obras, certamente era de se esperar que Esaú fosse o escolhido, mas caminhando na contramão do entendimento dos homens, Deus escolhe o pequeno no lugar do grande; o fraco no lugar do forte, para demonstrar que a bênção da salvação não vem dos homens.
II. A eleição não ocorre tendo em vista critérios de perfeição moral. Jacó age ardilosamente para usurpar o direito de primogenitura. Aproveita-se de uma vulnerabilidade de seu irmão para negociar, tomando-lhe a posse da herança. Se a obtenção da salvação dependesse de virtudes a serem encontradas no candidato à redenção, esse certamente não seria Jacó. Entretanto, como vimos, antes de qualquer ação dos gêmeos, a ordem divina já havia sido lavrada: o Senhor escolhera glorificar seu nome redimindo Jacó ao invés de Esaú. O enganador será transformado, como veremos posteriormente, no espelho da obra salvadora e seus efeitos: o poder salvador do Criador regenerará Jacó para ser um príncipe de Deus (i.e. hb. "Israel"). Isso é uma demonstração de pura graça, que deve nos levar à humilhação debaixo da poderosa mão do SENHOR, agradecendo a ele por tamanho amor, que nos chama para si, mesmo estando nós, infinitamente aquém de representá-lo à contento.
A redenção nos é dada unicamente pela graça soberana de Deus, manifestando sua glória na salvação daqueles que não mereciam. A causa eficiente da eleição é a soberania divina.
Conclusão
O artigo 6 do capítulo primeiro dos "Cânones de Dort", enfatiza sobre o decreto da eleição:
Procede do decreto eterno de Deus conceder, no tempo devido, o dom da fé a alguns e não a outros. Pois Ele conhece todas as Suas obras desde a eternidade, e “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por mais duros que sejam, e os inclina a crer; entretanto, segundo o Seu justo juízo, ele deixa os não-eleitos em sua própria malignidade e dureza. E aqui, especialmente, nos é revelada a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre homens igualmente merecedores de condenação, que é o decreto da eleição e da reprovação, revelado na Palavra de Deus. Embora os homens perversos, impuros e volúveis o distorçam para a própria destruição deles, esse mesmo decreto proporciona consolação indizível às almas santas e tementes a Deus ("Os Cânones de Dort" - Os Puritanos, Edição do Kindle, posição 79 de 766).
Eis a fonte de terror dos ímpios: a soberania de Deus na salvação. Eis o consolo dos justos: a soberania de Deus na salvação!