Gênesis 25.1-11

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O autor estrutura a narrativa da morte de Abraão sob os moldes das genealogias primevas, conforme mencionadas na primeira divisão do livro (caps. 1-11), a fim de conectar Abraão à descendência da mulher, e por sua vez, o povo à Abraão, através da bênção que exibe o cumprimento tanto do pacto feito com o patriarca, quanto com o povo de Israel, por ensejo de sua libertação do Egito, progredindo os planos redentivos para todo o povo de Deus por meio da continuidade da linhagem santa.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 25.1-11
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Após ter traçado todo o percurso da saga abraâmica desde o que capítulo 12, o autor do texto de Gênesis encerra essa primeira fase da narrativa patriarcal usando a mesma estrutura da narrativa primeva (Gn 1-11), porém de maneira mais desenvolvida, levando em consideração, por exemplo, o que é visto em Gênesis 5.
A primeira seção (vs.1-4), narra o novo matrimônio de Abraão, e de como por meio deste, ele teve "filhos e filhas"(v.2-4 cf. Gênesis 5). Porém, da mesma forma que aquela primeira lista genealógica enfatiza um personagem em especial, a primeira seção de Gênesis 25, concentra-se em destacar Isaque de todos os outros filhos de Abraão, ressaltando sua peculiaridade para o desenvolvimento dos planos redentivos (vs. 5-6).
Em seguida, o autor registra a morte do patriarca, também nos moldes anteriores, destacando contudo a benção de Deus sobre ele (e.g. "foram os dias de Abraão cento e setenta e cinco anos. Expirou Abraão, em ditosa velhice..." v.7,8a), que tanto o conecta aos entes passados, quanto prepara a expectativa do ouvinte/leitor para a continuação dos planos divinos em seu herdeiro: Isaque.
Assim, o episódio de Gênesis 25.1-11 é o momento decisivo em que o autor bíblico deverá demonstrar - em complemento à narrativa de Gênesis 24 - como os planos redentivos de Deus prosseguirão através de Isaque, por meio da benção do SENHOR, sendo a tese central desta seção a continuação da benção patriarcal como pano fundo da história da redenção.
Elucidação
É importante notar que ao longo da narrativa da saga abraâmica, o tema da geração de filhos foi usado pelo autor para desenvolver os episódios subsequentes, até que por fim, a promessa de Deus de um filho vindo de Sara, foi cumprida. Porém, à luz de Gênesis 16, o desdobramento desses planos sempre estiveram debaixo de tensão, isto é, o nascimento de Ismael elabora um ambiente de rivalidade entre os personagens descendentes de Abraão, o que se confirma no capítulo 21, quando Ismael é então separado de Isaque, sobre quem a benção redentiva do Criador repousa.
O fato de o capítulo 25 iniciar-se com um novo casamento do patriarca, sugere uma continuação dessa tensão, embora nesse caso, ela é rapidamente resolvida quando, nos versos 5 e 6 o próprio Abraão, entendendo a particularidade de Isaque, aparta esses outros filhos deste, entendendo que, embora também sejam cumprimento da promessa de Deus de que dele faria numerosas nações (cf. Gn 17.5), uma será ressaltada das demais: a nação daqueles que foram eleitos por Deus em seu enviado (i.e. Descendente) para a salvação (Gn 12.3).
Da mesma forma como em Gênesis 5, em que os nomes dos patriarcas citados sempre vem acompanhados pelo comentário de que tiveram "filhos e filhas", um dos tais (i.e. Isaque) é enfatizado como sendo o portador da bênção divina que o torna representante da linhagem real, que descende de Adão, e consequentemente do próprio Deus.
Logo, a seção dos versos 1-6 do presente capítulo apresentam essa estrutura genealógica que representa o argumento final do autor para transicionar a história da redenção de Abraão para Isaque. Os planos redentivos de Deus estão sendo ligados àquela primeira seção do livro de Gênesis nos capítulo 1 - 11, funcionando como uma ponte que os conecta, expondo o objetivo do autor, qual seja: divulgar aos seus ouvintes/leitores que a história da salvação não foi alterada ou seguiu novo curso, pelo contrário, é exatamente a mesma, e por isso, preserva os mesmos benefícios prometidos.
Assim como as listas genealógicas em Gênesis 10, que apresentavam as origens dos povos do antigo Oriente Próximo, novamente Moisés apresenta aos leitores de seu escrito, a origem dos povos que Israel também teve ou terá contato ao adentrar a terra de Canaã. De todo os nomes citados, dois são destacados: Jocsã e Midiã, provavelmente por serem os mais notáveis personagens dessa genealogia.
Em relação a Midiã, esse foi o pai de um dos povos habitantes na terra de Canaã citados posteriormente nos livros do Pentateuco. Essa citação "mostra o permanente interesse do autor em estabelecer ligações entre Abraão e os povos da Palestina, Transjordânia e Arábia (WALTON, 2018, p. 69).
O esclarecimento de que esses povos possuem um pai em comum com o povo de Israel - pois descendem também de Abraão - não deve sugerir alguma irmandade entre ambos. Pelo contrário, apesar de serem filhos de Abraão, Moisés está lembrando a Israel que a bênção redentiva não repousa sobre Midiã, exceto se dentre eles houver quem busque ao SENHOR, como é o caso de Jetro, sogro de Moisés, apresentado em Êxodo como sacerdote de Deus, mesmo sendo morador dessas terras (Êx 2.16; 18.1).
Concentrando-se na segunda seção (vs.7-11) em que a morte de Abraão é narrada, a expressão "e foi reunido ao seu povo" é usada pelo autor como um conectivo ao texto de Gn 15.15 quando é prometido a Abraão que "morreria em ditosa velhice e iria para os seus pais em paz". A intenção do autor é demonstrar que o Senhor foi fiel à sua promessa ao patriarca, cumprindo todas as cláusulas do pacto, embora Abraão não tenha visto o cumprimento final ou pleno da obra redentiva (Hb 11.13, 39).
O intuito do uso dessa expressão para os leitores/ouvintes do livro de Gênesis é de os chamar à fé e confiança no Deus de Abraão. A ditosa velhice e os anos avançados são símbolos da bênção do SENHOR sobre Abraão, e essa bênção é oriunda da graça divina em fazer com que agora, a obra redentiva avance, a despeito de sua morte. Sob os auspícios do falecimento do patriarca, o povo poderia questionar-se quanto a continuação da obra redentora. Porém, o tom de suavidade introduzido na narrativa da morte de Abraão visa a tranquilização do povo: embora seus dias tenham chegado ao fim, ele foi recolhido à família da fé, para aguardar o momento em que obteria a consumação da salvação e a obtenção da herança prometida. Por outro lado, o favor gracioso do SENHOR perpassa a linhagem santa, e agora recai sobre Isaque, seu filho, o qual será o próximo instrumento divino na continuação de seus benditos propósitos (v. 11).
Outro fator que reforça essa exortação, é a localização daquela primeira promessa feita por Deus com relação ao fim dos dias de Abraão. Esta expressão faz parte de uma profecia declarada pelo SENHOR com relação a própria linhagem do patriarca, que haveria de ser submetida à escravidão por quatrocentos anos, a fim de que a medida da iniquidade dos amorreus atingisse seu limite (Gn 15.13-16). A intersecção do relato da morte de Abraão por essa menção de benção, também está ligando o povo de Israel à promessa anteriormente feita.
O Senhor, que foi fiel à sua palavra fazendo Abraão descansar em paz e ser recolhido ao seu povo, é o mesmo que providenciou de cumprir a promessa de libertação do povo de Israel da terra do Egito, julgando a gente a quem se sujeitou (Gn 15.14), e agora esse mesmo povo, estava rumando para a terra de Canaã a fim de receber a posse da mesma, espoliando os amorreus e toda as outras nações condenadas pelo Criador em juízo.
A confiança de Israel é fortalecida através de mais uma conexão entre sua história e a do patriarca Abraão, sendo lembrados de que a fidelidade do SENHOR é mais poderosa do que a própria morte, e os levará a salvo ao centro da vontade do Soberano.
Transição
Gênesis 25.1-11 é o texto de transição de uma etapa dos planos redentivos de Deus para a seguinte, esse movimento por si só, é encorajador, pois reforça mais uma vez o compromisso do Criador em restaurar sua criação. Porém, aliado a esse princípio, encontramos a exortação franca do autor também a confiança em que seu planos incluem todos aqueles que caminham sob as pisaduras de Abraão, isto é, tendo fé na aliança divina, tomamos posse das mesmas bênçãos que estavam sobre Abraão, e que passaram a Isaque, e para todos os eleitos de Deus.
O que nos encaminham a aplicação do texto à nossas vidas.
Aplicação
Pela fé, fazemos parte da história da redenção, e tomamos parte na bênção simbolizada na relação entre Deus e Abraão.
João Calvino, comentando esse texto, nos ensina que:
[...] A maravilhosa Providência de Deus aparece nisto: que, enquanto muitas nações de considerável importância descenderam de seus (i.e. de Abraão) outros filhos, a aliança espiritual, da qual o resto também portava o sinal em sua carne, permaneceu de posse exclusiva de Isaque (Calvino, 2019, vol. 2, p. 33).
Como já dito, o povo de Israel, frente ao nascimento de outros filhos e da morte de Abraão, poderia questionar se os planos do SENHOR para sua salvação foram alterados, numa que "outros" poderiam reclamar a possessão da bênção de Abraão, não por meio da fé, mas por pertencerem também à descendência do patriarca. Entretanto, a graça eletiva de Deus os faz enxergar na proteção divina de Isaque por meio da postura do próprio Abraão que, aquilo que fora prometido será cumprido, e os eleitos de Deus receberão o galardão de filhos, conforme declarado no pacto.
Isso não deveria nutrir no coração do povo alguma espécie de elitismo: um sentimento de exclusividade arrogante, pois, todo esse favor foi concedido pela graça. A grande exortação do texto é que a história se encaminhou de revelar que a salvação não ficou confinada à vida de Abraão, mas, tendo recolhido o patriarca à linhagem da fé, o SENHOR repousou sua graça sobre Isaque, representando que todo aquele que pela fé for chamado a salvação, adentra a família da aliança.
Muitas vezes pensamos que nossa fé é algo recente, e por recente, entenda-se como incipiente ou superficial. Raramente olhamos para as Escrituras a fim de nos ver representados pelo atos salvíficos do SENHOR, sendo nós fruto do acaso, ou mesmo de algum tipo de aleatoriedade da ação divina. Porém, diferente do que supõem alguns, nossa fé é histórica, isto é, ela tem sido passada de geração para geração por entre aqueles que temem ao SENHOR.
A história se move a fim de favorecer os filhos de Deus, como vimos à luz do capítulo 24, e agora, estamos vendo como somos anexados à bênção patriarcal que garante a salvação. Não estamos sozinhos no mundo, nem esbarramos sem querer em Cristo; fomos pessoalmente eleitos e chamados nEle a fazer parte de todo o povo de Deus, que desde Adão, são recolhidos à família da Aliança, assim com o pai Abraão.
Conclusão
"Depois da morte de Abraão, Deus abençoou a Isaque, seu filho" (v. 11). Assim termina a história de Abraão, com uma declaração de que toda a graça que o SENHOR derramou sobre ele, ministraria também a Isaque, em quem estavam representados, todos os eleitos de Deus, que contemplam a Cristo como o assegurador da possessão que Abraão morreu esperando, e que todos haveremos de receber, quando a salvação for publicada, e adentrarmos o Reino celestial.
"Em Isaque será chamada a tua descendência" (Gn 21.12). E aqui estamos nós; a descendência de Abraão, os frutos da fidelidade e da bênção do Deus Triúno.