Gênesis 24

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O autor demonstra como os planos de Deus mais uma vez favorecem Abraão, que pela fé crê na preservação da linhagem santa através do casamento de Isaque com uma mulher que possui a mesma fé manifestada por ele, ao ter partido para uma terra estranha sob a Palavra do SENHOR, e que através dessa união a graça de Deus em cumprir seu pacto redentivo se mostra firme e avança ao longo história.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 24
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Tendo feito um adiantamento de informações que se encarregou de preparar o ouvinte/leitor para os eventos a seguir, no capítulo 22.20-24 Moisés descreveu a genealogia paralela à Abraão: a de seu irmão Naor, donde foi gerado Betuel, pai de Rebeca, que por sua vez é um dos personagens centrais em Gn 24, pois a partir de sua união com Isaque, a bênção do SENHOR sobre sua progênie prosseguirá pavimentando o percurso histórico para chegada do Descendente prometido.
Então, no capítulo 24 o autor se encarregará de narrar os fatos relacionados a essa união: como o SENHOR continua movendo a história para que seus propósitos redentivos sejam atingidos, guardando sua descendência de corrupção e ressaltando que sua linhagem está alicerçada na fé na salvação e no Salvador profetizado. A narrativa destaca o ponto central arquitetado pelo autor para elucidar mais um episódio da história redentiva ao povo de Israel, qual seja: A providência divina na continuidade da linhagem da fé.
Elucidação
O autor estrutura a narrativa de maneira a sobrepor cenas de forma progressiva até que o clímax seja atingido, quando Rebeca encontra-se com Isaque e ambos se casam. As cenas que formam esse enredo podem ser analisadas a partir dos próprios versículos que demonstram seu movimento, como segue:
Cena 1: A fé de Abraão e o juramento do servo (vs. 1-9).
Cena 2: A jornada do servo e o encontro com Rebeca (vs. 10-51).
Cena 3: A fé de Rebeca e sua decisão (vs. 52-61).
Cena 4: O casamento de Isaque e Rebeca (vs. 62-67).
Como dito, cada cena prepara o ambiente para a próxima, concentrando a atenção do ouvinte/leitor para o desfecho. Porém, entremeando a narrativa e perpassando-a, a expectativa tanto dos personagens quanto dos que ouvem/leem a trama, volta-se para como a divina providência têm guiado cada passo do trajeto do servo de Abraão, desde a presença de seu senhor até o encontro com Rebeca, momento em que sua missão se revelará exitosa ou fracassada, a partir do que a filha de Betuel responder.
A missão do servo é uma das referências usadas pelo autor para exortar o povo de Israel quanto a sua própria jornada, que os está levando para a terra prometida. Guiados pela boa mão de Deus, a segurança que possuem quanto ao triunfo de sua caminhada deve estar baseada nas promessas do SENHOR, pois o mesmo Deus que levou a bom termo a jornada do servo de Abraão, tendo em vista a preservação da linhagem santa, fará com que seu povo peregrino também alcance a graça de chegar ao lugar determinado pelo Criador, bastando ao povo somente a fé para confiar naqueles planos redentivos a ele revelado.
Assim, passaremos a analisar os blocos cênicos da narrativa de Gênesis 24.
Cena 1: A fé de Abraão e o juramento do servo (vs. 1-9)
O juramento feito entre Abraão e o servo possui as mesmas características dos contratos solenes conforme estabelecidos no antigo Oriente Próximo. Dentro desse contexto de juramento, as implicações de quebra ou recisão do acordo eram simbolizados através de representações (como no caso do corte de um aliança (e.g. Gn 15.7-11)), ou de gestos, como é realizado na passagem em questão, em que o servo de Abraão põe a mão por baixo da coxa deste (v.2), simbolizando maldições relacionadas a própria linhagem do servo, caso descumprisse qualquer cláusula do juramento.
Em face disso, o caráter solene do acordo possui como base conceitual a preservação da linhagem de Abraão através de Isaque, que não deverá casar-se com alguém da terra de Canaã. Alguns comentaristas sugerem que o desejo de Abraão de que Isaque não contraísse matrimônio com as filhas dos cananeus (v.3) visava apenas a não mistura entre as etnias (WALTON, 2018, p.66), porém, em face de toda a carga narrativa estruturada pelo autor, o mais provável é que o patriarca estivesse rejeitando a ideia de que seu filho tomasse por mulher uma cananita, devido a concepção do princípio de que "em Isaque será chamada a tua descendência" (cf. Gn 21.12), isto é, a "contaminação" de Isaque com uma ímpia resultaria na corrupção da linhagem messiânica. Assim, a fé de Abraão em Deus revela-se mais uma vez confiante de que o SENHOR, que iniciou o trajeto histórico-redentivo através dele, consumará seus planos promovendo a preservação de sua semente, concedendo a Isaque uma esposa que possua a mesma fé que ele tem: fé no Deus que o tirou de Ur, e o levou à terra prometida, salvando-o e prometendo-lhe uma herança.
Um outro ponto de destaque nessa primeira cena, é assertiva feita pelo patriarca que elucida claramente o princípio de recusa da ideia de que Isaque torne à terra de sua parentela: "Cautela! Não faças voltar (hb. "תָּשִׁ֥יב") para lá o meu filho" (v.6). Tendo em vista que Isaque nunca havia ido à Ur, a expressão do patriarca está ligada ao que aquela terra representa. Numa que Abraão fora chamado por Deus a sair de Ur, abandonando o desconhecimento do único Deus verdadeiro, passando a relacionar-se com ele mediante sua revelação, Abraão determina que Isaque não volte aos seus parentes, tendo em vista o paganismo e idolatria daquele povo.
Como dito, a intenção do patriarca é de que sua nora realize o mesmo percurso que ele, pois somente pela fé no Deus que lhe havia aparecido (Gn 12.7) ela poderia obter lugar na linhagem santa que perpassa por Abraão e seu filho Isaque. Assim, está claro para o servo de Abraão que seu juramento está diretamente ligado aos planos redentivos do SENHOR: a provisão divina mostrar-se-á favorável a Abraão através do êxito que ele deverá ter em trazer até seu senhor aquela que será o instrumento divino, assim como Isaque, na continuação da linhagem redimida. O que nos leva a próxima cena.
Cena 2: A jornada do servo e o encontro com Rebeca (vs. 10-51)
O ponto central da narrativa, como dito, é a demonstração da providência divina que guia a historia a fim de que seu propósitos sejam plenamente estabelecidos. A visão do servo, de que o desenrolar dos fatos está diretamente ligado ao favor divino em relação ao seu senhor Abraão, vai sendo explicitado a partir de suas orações ao Deus de seu senhor.
O servo reconhece de tal forma esse princípio que, tanto antes quanto depois de haver encontrado Rebeca, atribui sua sorte à graça divina:
"Ó Senhor, Deus de meu senhor Abraão, rogo-te que me acudas hoje e uses de bondade para com o meu senhor Abraão! [...] "Bendito seja o Senhor, Deus de meu senhor Abraão, que não retirou a sua benignidade e a sua verdade de meu senhor; quanto a mim, estando no caminho, o Senhor me guiou à casa dos parentes de meu senhor" (vs. 12,27).
Em face da jornada empreendida, o próprio servo recorre então à fé de Abraão neste Deus que tanto o ama, e por meio disso, exibe uma profunda dependência do Criador para o sucesso de sua missão. Mais uma vez, o paralelo entre a jornada do servo e a peregrinação de Israel vai sendo cada vez mais estreitado, mediante o desenvolvimento dos acontecimentos que antecedem o encontro entre o servo e a jovem Rebeca. Moisés traça esse paralelo com o objetivo de demonstrar que, apesar não saber os detalhes do percurso que está fazendo, a fé do servo o guia sob o controle do Deus Altíssimo. Israel, se desejasse ter sucesso em sua peregrinação, deveria entender que, acima de tudo, o controle divino sobre a história é absoluto, o que por outro lado não desobriga o povo de continuar crendo que é pela graça e amor de Deus que chegarão ao final da jornada.
De acordo com a estrutura desta segunda cena, o interesse do narrador é voltar a atenção de seus leitores para o momento do encontro entre o servo e Rebeca, pois não é feito um detalhamento do momento da partida do servo (v. 10), mas uma narração onisciente é iniciada no verso seguinte, quanto é dito que o servo chegara ao poço onde "as moças tiravam água" (v. 11). Nesse ponto, o contato do servo de Abraão com o SENHOR é não somente usado como demonstrativo de dependência, mas também um símbolo que legitima a jornada. A cada novo desdobramento dos planos divinos que vão sendo revelados ao servo, este ora a Deus agradecendo por sua misericórdia em favor de seu senhor (vs. 11; 27; 52).
No primeiro momento em que roga a Deus que lhe ajude a identificar qual seria a jovem que fora destinada a casar-se com Isaque, o servo estabelece critérios através dos quais a reconhecerá. Porém, esses critérios não são escolhidos aleatoriamente: misericórdia e compaixão deverão ser demonstradas pela moça escolhida pelo SENHOR, as mesmas virtudes que o próprio servo deseja com que o Criador lhe agracie. Há então uma aproximação intencional entre o caráter da jovem e os planos divinos: o Senhor mostrará que tem de fato usado de bondade para com Abraão, usando a índole da própria moça com quem Isaque se unirá como símbolo disso.
Deparando-se então com uma jovem, o servo de Abraão observa atentamente a fim de saber se ela é a moça providenciada por Deus para seu senhor Isaque. Até que, tendo cumprido todos os critérios estabelecidos, o servo faz uma última pergunta que pode revelar cabalmente se sua missão foi exitosa:
[... ] Tomou o homem um pendente de ouro de meio siclo de peso e duas pulseiras para as mãos dela, do peso de dez siclos de ouro; e lhe perguntou: De quem és filha? Peço-te que me digas. [...] Ela respondeu: Sou filha de Betuel, filho de Milca, o qual ela deu à luz a Naor (vs.22-24).
As respostas de Rebeca declaravam o logro da missão do servo de Abraão: ele encontrara a moça que deveria ser designada como esposa de Isaque, pois a resposta dela satisfazia o critério estabelecido por Abraão, de que ele deveria trazer uma moça da parentela deste (v.4,27). Diante disso, o narrador encaminha-se para a próxima cena, que confirmará tal sucesso.
Cena 3: A fé de Rebeca e sua decisão (vs. 52-61)
Após a revelação de toda a jornada do servo de Abraão, e de como o SENHOR o tem trazido até este ponto, tendo os próprios parentes de Rebeca sido favoráveis aos planos divinos (cf. v. 50), a narrativa volta-se a resposta da moça em relação ao relatado. Porém, essa reposta demonstrará mais do que sua aquiescência à proposta de casamento com Isaque; exibirá aquela fé esperada por Abraão da futura esposa de seu filho; aquela que será mãe da linhagem da fé, assim como Sara, sua esposa.
Em face de um conflito entre os parentes de Rebeca e o servo, inesperadamente a decisão fica a cargo da própria moça (v.57). Segundo o costume do antigo Oriente Médio, dificilmente uma decisão tão importante seria tomada pelas moças a quem estava sendo proposto o matrimônio, visto que diversos fatores de risco também deveriam ser levados em consideração (WALTON, 2018, p.68), principalmente no caso de Rebeca, que deverá deixar a segurança e estabilidade de seu lar, para ir a uma terra que desconhece.
Nesse ponto, a narrativa aproxima a história de Rebeca da saga Abraâmica, e nos deparamos então com uma estrutura que nos remete ao início do percurso patriarcal da redenção. O próprio Abraão deparou-se com esse mesmo dilema; a ordem divina foi clara: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai..." (Gn 12.1). O patriarca viu-se diante de uma decisão entre confiar em Deus como seu redentor, ou permanecer na terra onde estava. Pela fé ele parte, confiando no Criador como seu galardão e escudo (Gn 15.1). Agora, Rebeca deverá decidir-se: permanecer na casa de seu pai, ou migrar para um lugar desconhecido, confiando apenas nas palavras de Deus por meio do servo de Abraão, que lhe indicam que todo o percurso feito até então foi direcionado cuidadosamente pelo SENHOR.
A resposta de Rebeca é clara: "Irei!" (v.58). A filha de Betuel opta por ouvir a voz do SENHOR, e demonstra a mesma fé de seu sogro, partindo para uma terra estranha. Porém, o autor elabora a confirmação de que a fé de Rebeca corresponde ao andamento dos planos de Deus por meio da bênção de seus parentes, que se conecta tanto ao chamado de Abraão em Gênesis 12.2, quanto ao momento em que Deus revela a Abraão a base do plano salvífico por meio do Messias em Gênesis 22.17, numa estrutura paralela:
Gênesis 12.2 RA
de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!
Gênesis 22.17 RA
que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; a tua descendência possuirá a cidade dos seus inimigos,
Gênesis 24.60 RA
Abençoaram a Rebeca e lhe disseram: És nossa irmã; sê tu a mãe de milhares de milhares, e que a tua descendência possua a porta dos seus inimigos.
A bênção dos parentes de Rebeca é usada por Moisés para demonstrar a ligação entre sua história e a de seu sogro, o que na verdade remete a benção de Deus sobre ela e Isaque, com quem se casará: providencialmente, o que é dito acerca de Rebeca havia sido dito de Abraão no início e do fim de sua peregrinação rumo à redenção: a benção que guiou a história do patriarca agora repousa sobre seu filho e nora, em quem a linhagem santa prosseguirá. O que nos encaminha para cena final do episódio.
Cena 4: O casamento de Isaque e Rebeca (vs. 62-67)
Assim como a partida do servo de Abraão, a saída de Rebeca da casa de seu pai é abrupta, e após a benção de seus parentes o autor adianta a narrativa para o momento do encontro e casamento dela com Isaque.
O encontro de ambos os personagens acontece por ensejo da saída de Isaque "a meditar no campo, ao cair da tarde" (v. 63). Em que pese o tom resumido do autor, uma cena se destaca das demais em termos de como o primeiro contato de Rebeca com seu futuro esposo se dá: ao avistar Isaque ao longe, e tendo perguntado sobre quem era ele, Rebeca tomou "o véu e se cobriu" (v.65). O gesto de Rebeca é destacado pelo autor como outra característica de sua índole, condizente com o costume daquele tempo. Ao avistar seu noivo Rebeca cobre-se, demonstrando ser uma mulher respeitável. A castidade de Rebeca enfatiza o caráter de sua fé, o que também elucida a intenção do autor ao descrever tal episódio.
A fé da futura matriarca é também um paralelo traçado por Moisés como base de sua exortação. Tendo em vista a benção de Deus que lhe estava proposta por ocasião de sua união como filho de Abraão, em quem Deus havia demonstrado o curso de seus planos redentivos, Rebeca exibe sua fé por meio de um padrão de santidade que, embora fosse costumeiro em seu tempo, é reforçado pelo detalhamento do narrador. O povo de Israel, que fora redimido pelo SENHOR, ou de acordo com a imagem traçada pela Escritura "fora desposado por ele"(Jr 31.32; Os. 2.19), deveria expor sua fé por meio de um padrão de santidade estabelecido pelo próprio Deus, mediante a obediência a seus mandamentos.
O início das origens do povo de Israel é exposto por meio da história dos patriarcas, e dentre elas, o casamento de Isaque e Rebeca carrega em si alguns apontamentos da própria união entre Deus e seu povo. O que era esperado dos hebreus em sua peregrinação era a fé no Deus que guiou os patriarcas por um caminho de bençãos, demonstrando-lhes a terra que herdariam como símbolo da salvação a ser executada pelo Descendente prometido. Tal fé deveria ser demonstrada por um comportamento santo e obediente, que também refletiria o compromisso do povo para com o SENHOR que os havia desposado (i.e. redimido).
No encontro de Isaque com sua esposa, o narrador demonstra que a fé de Rebeca é recompensada com a entrada na linhagem prometida, ao enfatizar que Isaque "conduziu-a até à tenda de Sara, mãe dele, e tomou a Rebeca, e esta lhe foi por mulher " (v.67), somado ao fato de que com isso ele "foi consolado depois da morte de sua mãe", uma sentença de transição que encerra a saga abraâmica (que se concluirá definitivamente no capítulo seguinte) para que se inicie uma nova saga, através deste outro casal, o qual levará adiante a história da redenção, tal como prometida pelo Criador.
Transição
É importante notar que apesar de estarmos diante de um relato transicional, isto é, o autor bíblico está se preparando para a alternância de personagens centrais que protagonizarão o avanço dos planos redentivos, Gênesis 24 ainda possui como foco central a graça divina sobre a vida de Abraão. Tal inferência pode ser feita a partir das expressões do servo do patriarca em relação a operação da divina providência em sua missão, quando vincula os acontecimentos às demonstrações da bondade divina para com seu senhor Abraão (vs. 12; 21; 27; 35; 40; 49; 52).
A razão para o derramar de tamanha graça sobre o patriarca é simples: fazer com que, como já dito, os planos redentivos avancem para além de Abraão, proporcionando a movimentação histórica que desembocará na vinda do Descendente prometido, como argumenta Walter Kaiser:
Uma linha de filhos sucessivos e representativos dos patriarcas, e considerados como parte integrante do grupo inteiro que representavam, estava de acordo com a ideia de "semente" já evidente em Gênesis 3.15. Além disso, de acordo com a ideia de "semente" ou descendente" havia dos dois aspectos: (1) a semente como benefício futuro e (2) a semente como atuais beneficiários das dádivas divinas temporais e espirituais (KAISER, 2011, p. 56).
No caso de Gênesis 24, a ação benéfica alcança tanto o horizonte presente, quando agracia Abraão com a continuação de sua progênie mediante a fé de Rebeca, quanto futuro, pois o patriarca contempla o estender do tapete genealógico que projeta o caminho para o cumprimento da promessa divina da descendência abraâmica, da qual surgirá o Messias. "[...] O Senhor orquestra o nascimento da semente prometida (WALTKE, 2010, p.411).
Moisés usa a narrativa de Gênesis 24, para direcionar a atenção do povo de Israel à dois princípios que resumem todas as exortações tal como expostas anteriormente: 1) uma confiança específica no controle divino sobre a história: Deus não está somente no controle dela, ele está movendo o curso do mundo para benefício dos que nele crerem. E 2) em razão disso, a reposta apropriada gerada pela fé no SENHOR é a santidade e obediência, que tornam o povo "a noiva digna do SENHOR" como demonstrado através de Rebeca.
Assim, Gênesis 24 nos encaminha a observação desses dois princípios como aplicações resultantes da compreensão natural da passagem.
Aplicações
1. A divina providência guia a história para benefício dos eleitos de Deus.
As palavras do servo de Abraão resumem um dos pontos centrais do episódio de Gênesis 24: "o Senhor me tem levado a bom termo na jornada" (v. 56). Temos visto, desde antes da saga abraâmica, o quanto o SENHOR rege a história para que seus propósitos sejam atingidos. Por exemplo, ao longo da narrativa noética, acompanhamos de perto o quanto o Criador controlou cada evento para que juízo e salvação se manifestassem em cumprimento à sua vontade.
Porém, uma informação complementar (embora sempre tenha ficado implícita) é agora explicitada: a providência divina não somente governa o desenrolar da história, mas também favorece o povo de Deus. Mediante cada ato destas cenas em Gn 24, percebemos o quanto os passos do servo de Abraão foram sendo coordenados pela graça do SENHOR em favor do patriarca, como afirma Waltke:
Traçando cada cena da narrativa de Abraão, surge uma pergunta implícita: Como Deus concretizará suas incríveis promessas? A Abraão foi prometida uma semente imensurável que abençoará a terra. Que mulher o Senhor achará para Isaque que torne esta promessa possível? Como vencerá os inevitáveis obstáculos humanos? (WALTKE, 2010, p. 399).
O casamento de Isaque e Rebeca é providencialmente arranjado para que os olhos cansados de Abraão vejam pela última vez o quanto o SENHOR que lhe aparecera é grandioso e gracioso para com ele: a última participação do patriarca nos planos redentivos do Criador é contemplar o encontro amoroso entre Isaque e Rebeca, como símbolo da preservação da linhagem da fé; o auge da promessa divina que garante a salvação, tal como fora prometido a Adão e Noé; salvação da qual todos os filhos de Abraão participarão através da fé no Messias.
Todos nós hoje somos beneficiários desta história narrada em Gênesis 24, pois a partir de Abraão e Sara, Isaque e Rebeca, a linhagem da fé estabeleceu-se ao longo da história, da qual nós fazemos parte. A convicção de que o SENHOR está agindo através da história para o nosso bem, é o conforto de que precisamos para descansar, até que Cristo retorne.
Por outro lado, Gênesis 24 é uma analogia para a história da igreja. Há muito tempo, decidimos (pela operação do Espírito) sair de nossa terra, do estado de pecado e miséria em que estávamos, rumo à um novo lar, o qual Deus nos mostraria. Estamos nesse percurso, assim como Rebeca encaminhava-se para encontrar-se como Isaque, seu noivo. É exatamente essa a imagem que a Escritura usa para se referir a nós: somos a noiva de Cristo, aquela que ele adquiriu pelo seu precioso sangue, tirando-nos casa da servidão, e levando-nos por um caminho cuidadosamente preparado, ao final do qual nosso olhos se erguerão e o verão, para que assim estejamos com ele para sempre.
Porém, a iminência desse encontro nutre em nós a santidade devida; a honradez própria daquela que foi escolhida para ser a noiva de Cristo. O que nos leva ao segundo ponto.
2. A santidade e obediência são as respostas apropriadas para a fé na divina providência.
Como já frisado, a fé de Rebeca foi demonstrada por meio de um gesto de pudor e santidade que a tornava apta a casar-se com Isaque. Tal gesto foi cuidadosamente destacado por Moisés para que sua exortação fosse ainda mais contundente ao povo de Israel.
A fé redunda em um profundo senso de pertencimento ao SENHOR, tornando-nos aptos a nos resguardar do contato com o mundo. Rebeca preserva-se por trás do véu, não numa atitude de ocultação, como quem se esconde, mas, para demonstrar que está comprometida com Isaque, seu noivo, em ser sua esposa... exclusivamente sua. Lembremo-nos que Abraão não queria que seu filho se casasse com uma moça que habitava a terra em que estava, pois sabia que a cultura daqueles povos era pagã, e a linhagem santa não poderia ser manchada com a mistura com o pecado. Da mesma forma Israel deveria distanciar-se dos costumes pagãos dos povos da terra de Canaã para onde estava indo, a fim de não misturar-se com aqueles que pelo seu procedimento demonstravam rebeldia contra o Criador, por meio da devassidão e pecado.
É aterrador ver que em nosso tempo, nossa cultura vende tão descaradamente a luxúria e sensualidade como se fossem algo completamente normais. É impossível tentar unir todo o ensinamento de Gênesis 24 e suas implicações para a igreja, com o pensamento mundano que afirma que "o que é bonito é para se mostrar". O texto não nos fala sobre vestes ou usos e costumes, é verdade. Fala sobre muito mais do que isso, pois como dito, Gênesis 24 é uma analogia entre Cristo e sua noiva; a igreja. Mediante essa compreensão, a santidade e compromisso com Deus na nossa vida devem ser tão explícitos quanto o gesto de Rebeca o foi. Ela não relaxou diante do fato de que seu noivo estava próximo, mas evidenciou sua fé e compromisso com o Deus de Abraão agindo honrosamente.
O autor cuida de detalhadamente usar Rebeca como demonstrativo do comportamento de um mulher prudente e sábia, que por sua vez reflete o caráter da própria igreja e de como Cristo a enxerga. Moisés estrutura a narrativa a fim de que seus ouvintes/leitores vissem Rebeca através dos olhos de Isaque. E o que ele enxerga? santidade e modéstia. Rebeca está adornada com todos os presentes concedidos por Abraão através do servo (Gn24.52-53). A imagem que a Escritura traça para com a igreja do SENHOR é exatamente essa:
"Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo" (Ap 21.2).
Interessantemente, no mesmo livro, o mundo também é representado por uma mulher, que também está adornada:
Veio um dos sete anjos que têm as sete taças e falou comigo, dizendo: Vem, mostrar-te-ei o julgamento da grande meretriz que se acha sentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram os reis da terra [...]. [...] Achava-se a mulher vestida de púrpura e de escarlata, adornada de ouro, de pedras preciosas e de pérolas, tendo na mão um cálice de ouro (Ap 17.1,2a-4).
A visão de João enxerga duas mulheres adornadas. A diferença entre ambas é exatamente seus expectadores: uma está adornada para Cristo, a outra, pronta para seduzir os reinos da terra. Na narrativa de Gênesis 24, o aparente reflete o invisível: o pudor de Rebeca reflete sua fé e santidade, dignas daquela que será usada pelo próprio Deus como instrumento de seus planos salvadores.
Somos chamados a ser expositores da nossa fé por meio do que é aparente. São nossas obras que demonstrarão o quanto estamos comprometidos com Cristo, nosso noivo.
Conclusão
A brilhante história de amor de Isaque e Rebeca não trata apenas de nos mostrar o desfecho romântico de um simples casal: exibe a graça divina que rege a história, beneficiando seu povo com a segurança de que precisam para crer que a jornada redentiva está garantida. E também nos prova o grande amor de Cristo para com sua igreja, a qual tendo manifestado fé em santidade e obediência, é adornada por seu noivo, preparando-se para o grande casamento que ocorrerá no Dia Final.