Gênesis 22.20-23.20

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O autor elucida a referência concedida por Deus a Abraão quanto ao segundo tema de sua promessa pactual de redenção, qual seja: a possessão da terra mediante a espoliação dos inimigos.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 22.20-23.20
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Caminhando para mais um episódio da saga abraâmica, Moisés empreende um desenvolvimento do teor da promessa de Deus a Abraão desde Gênesis 12.1-9. O pacto estabelecido entre Deus e o patriarca consiste em dois pontos básicos: a provisão do descendente prometido para, como redentor, ser o aio da salvação dos eleitos de Deus, e a terra, restaurada para ser o lugar da habitação do próprio Criador com o seu povo.
Tendo essa estrutura tópica em mente, o autor do texto narrou o cumprimento da promessa em Gênesis 21, quando o SENHOR proporciona o nascimento de Isaque, e também concede a Abraão a possessão da terra, por ocasião da negociação com Abimeleque. Porém, em que pese esse cumprimento, dada a carga redentiva contida na mesma, ambas as execuções das palavras divinas só podem ser vistas da perspectiva salvadora como cumprimentos parciais, numa que Isaque não é o Messias (o descendente mencionado em Gn 3.15), nem o poço (Gn 22.30) abrangia toda a terra. Porém, a demais da proporção dos cumprimentos da promessa divina, outro fator precisaria ser evidenciado para a Abraão a fim de que sua fé pudesse ser fortalecida ao ponto de confiar em Deus, aguardando a plena realização de sua Palavra: a revelação messiânica.
Para tanto, mais uma vez o autor do texto de Gênesis recorre a um desenvolvimento temático de estrutura dupla, a fim de que esse teor messiânico pudesse ser explicitado ao povo de Israel, por meio da história abraâmica: a revelação da provisão messiânica em Gn 22.1-19, e a obtenção figurativa da terra em Gênesis 22.20-23.20. Tendo analisado o primeiro caso anteriormente, nos concentraremos em observar o desenrolar do enredo salvador com base nessa perspectiva, considerando a tese central desta seção, qual seja: o amadurecimento da fé salvadora (pt 2): a revelação confirmadora da herança prometida.
Elucidação
A introdução da narrativa é feita pelo anúncio de que a árvore genealógica de Abraão havia crescido, pois a esposa de seu irmão Naor também havia dado à luz filhos. Essa informação, ligada a menção do nome de Rebeca; "filha de Betuel, filho de Naor", irmão de Abraão (v.23), serve como adiantamento para a seção imediatamente seguinte ao texto de Gn 23; o episódio do casamento de Isaque filho de Abraão.
Como será visto posteriormente, a continuação da linhagem santa através de Isaque é o ponto que subsidia toda a promessa de Deus. Dessa forma, o direcionamento da narrativa fazendo menção ao capítulo seguinte, prepara o leitor para a mudança que está prestes a ocorrer entre os personagens principais da saga por meio da qual o SENHOR está levando adiante seus planos salvadores. O cenário está sendo preparado para que Isaque protagonize as próximas cenas, quando sobre ele repousará o favor divino, assim como fora com seu pai.
Após o anexo feito dos versos 20 a 24 do capítulo 22, Gn 23 retoma a narração dos fatos relacionados a Abraão e anuncia a morte de Sara (v.1-2). Tendo sido mencionado apenas no início do capítulo, a leitura mais provável é a de que o autor esteja usando essa ocorrência como fator responsável por criar a tensão a seguir, que culminará na revelação da confirmação divina da entrega da terra a Abraão, como figura de que possuirá a herança que a redenção lhe garante.
Dos versos 3 a 17, o que representa a maior parte da cena, Abraão negociará a possessão de um lote de terra em especial. O autor do texto específica propositalmente a localização geográfica em que se encontra Abraão: " Sara [...] morreu em Quiriate-Arba, que é Hebrom"(vs. 1,2). Essa citação se propõe destacar qual terra fará parte das negociações a seguir: Abraão não está pleiteando um terreno noutra localização, fora dos limites da possessão que Deus lhe havia garantido.
A barganha subsequente por outro lado, apresentam algumas dificuldades na obtenção da terra. Em primeiro lugar:
A terra cultivável era um bem tão precioso que não devia ser vendida a ninguém que não pertencesse ao grupo de famílias. A falta de um comprador dentro da família e/ou condições do negócio às vezes exigiam que a vende fosse efetuada a alguém de fora da família. Isso podia ser contornado legalmente por meio da adoção do comprar ou da intermediação dos anciãos da aldeia que intercediam em favor dele diante do proprietário (WALTON, 2018, p.66).
Embora diante de Deus Abraão fosse o herdeiro daquelas terras, outra vez alguns homens colocam-se entre o patriarca e seu direito (garantido pelo Criador). Entretanto, antes de rivalizar com o dono da terra, Abraão solicita aos representantes daquele povo que, mediante sua intercessão, sua oferta seja aceita por Efrom, conforme registra os versos 3-4;7-9:
Levantou-se, depois, Abraão da presença de sua morta e falou aos filhos de Hete: Sou estrangeiro e morador entre vós; dai-me a posse de sepultura convosco, para que eu sepulte a minha morta. Então, se levantou Abraão e se inclinou diante do povo da terra, diante dos filhos de Hete. E lhes falou, dizendo: Se é do vosso agrado que eu sepulte a minha morta, ouvi-me e intercedei por mim junto a Efrom, filho de Zoar, para que ele me dê a caverna de Macpela, que tem no extremo do seu campo; que ma dê pelo devido preço em posse de sepultura entre vós".
Ironicamente, em sua fala aos moradores de Quiriate-Arba, Abraão menciona uma informação que reflete o oposto de sua situação diante daqueles homens, muito embora esse fato não lhe seja evidente. Ao clamar aos anciãos daquela terra que intercedam em seu favor junto a Efrom, Abraão diz que é "estrangeiro e morador" (hb. "גֵּר־וְתֹושָׁ֥ב" trans. "gar -vêtôshav" = ou "estrangeiro" e "peregrino" numa melhor tradução). Essa afirmação por parte de Abraão ligada ao pedido posterior, demonstra o desejo de explicitar que não é uma ameaça aqueles povos; seu desejo não é de roubar ou tomar sua terra. Entretanto, essa não é a realidade dos planos de Deus que estão sendo desenvolvidos através do patriarca.
A referência redentiva ao cumprimento da promessa de Deus no que tange a possessão da terra narrada pelo autor, exibe o quadro oposto: por ensejo da compra da caverna do campo de Macpela, Abraão está recebendo da parte do Criador um demonstrativo de como obterá a herança prometida: os inimigos de Deus serão desterrados (ou espoliados) em favor dos herdeiros, que a receberão como fruto da fidelidade divina ao que prometera no pacto estabelecido com Abraão.
Como dito, se no capítulo 22.1-19, o tema proposto por Moisés foi a revelação messiânica da obra redentiva, agora sua tese central é expor como Deus referencia o cumprimento do segundo tópico de sua promessa: a posse da terra. Esses horizontes complementares, encerram a noção conferida pelo Criador a Abraão com relação a obra que está realizando focando dois pontos básicos: o Messias, que reinará sobre seu povo para glória de SENHOR, e a criação - simbolizada pela terra de Canaã - restaurada para ser o lar e ambiente em que a comunhão entre o SENHOR e seu povo ocorrerão. Porém, uma informação adicional é estruturada: a posse da terra será concedida aos eleitos de Deus mediante a expulsão e julgamento dos inimigos do SENHOR.
Assim, Moisés funde outras duas perspectivas contextuais que elucidam a realidade da redenção para o povo de Israel durante sua peregrinação pelo deserto. Encaminhando-se à terra de Canaã, Israel tem ciência de que deverá enfrentar diversos inimigos naquelas terras, inimigos com quem Abraão já teve de se deparar. Se guardarem a Lei de Deus, mantendo seus corações confiantes no pacto redentivo estabelecido consigo e como seus pais, verão o cumprimento de tal aliança, tomando posse das terras, não importando quão numerosos ou poderosos os povos que nelas habitam sejam. Porém, de uma perspectiva futura, também são lembrados de que Abraão não tinha seu coração focado no punhado de terra em que estava, menos ainda no terreno que comprara a Efrom; sua fé o fez olhar para o fim dos tempos, quando vislumbrou a criação transformada na pátria celestial da qual Deus é o fundador e artífice (Hb 11.10).
A aparente aquiescência de Efrom ao pedido de Abraão, dando-lhe a terra ao invés de vendê-la, esconde por trás a tentativa de furtar-se do compromisso de entregar permanentemente aquela localidade ao patriarca: a doação do terreno poderia ser futuramente contestada, e Abraão perderia a posse da terra. Porém, mediante a oportunidade de obter algo de Abraão, Efrom, dissimuladamente, divulga uma quantia referente ao valor da terra: 400 ciclos de prata, uma soma muito elevada.
A afirmação de Efrom: "um terreno que vale quatrocentos siclos de prata, que é isso entre mim e ti? (v.15), é um chamariz para que Abraão entenda o valor da terra e realize a compra. Porém, mediante o desenrolar dos planos redentivos, o autor trata a dificultosa negociação entre Abraão e Efrom como o curso inevitável traçado pela providência para que a vontade soberana de Deus seja concretizada e seu servo contemple como seus próprios inimigos na verdade são peças organizadas e dispostas para que a glória do SENHOR no cumprimento de sua promessa seja evidenciada.
Transição
Gênesis 22.20-23.20 demonstra o desfecho das revelações e amostras redentivas que Deus concede ao seu servo, amparando e amadurecendo sua fé a fim de que agora espere somente a consumação das promessas anteriormente feitas. A posse do campo de Macpela é uma pequena demonstração de como o favor divino favorece seus filhos, a despeito das tentativas fracassadas dos inimigos de Deus de usurpar o que fora direcionado como bênção aos eleitos do SENHOR.
A fé de Abraão é exercitada e fortalecida ainda mais, tendo em vista o modo de agir do Criador: os inimigos tem suas terras tiradas de si, para benefício de todos os que pela fé, contemplam no futuro a entrada do povo de Deus na pátria celestial. Assim como o povo de Israel deveria manter-se firme em sua fé em Deus como seu galardoador, crendo que, no cumprimento dos tempos, herdariam a terra prometida, da mesma forma todo o povo de Deus deve seguir os mesmos passos dos patriarcas, crendo que o tempo em que usufruirão da terra que mana leite e mel está próximo, assim como está perto o momento em que verão o Messias, Cristo Jesus, em toda a sua glória, publicar seu reinado e triunfo sobre a serpente (cf. Gn 3.15).
Frente a essa compreensão, a passagem nos convida a refletirmos sobre sua relevância para nós hoje, a partir das seguinte consideração:
Aplicações
Enquanto estivermos nesse mundo, embora possuindo a promessa, devemos nos lembrar que somos "peregrinos e estrangeiros".
Abraão, mesmo tendo visto o ponto principal da promessa de Deus ser revelado por referência a ele (i.e. o sacrifício messiânico), estava ciente de que não chegara o momento em que obteria a bênção garantida em sua plenitude. Precisou reconhecer que era peregrino numa terra estranha (Gn 23.4 - Hb 11.13), e até mesmo viu a necessidade de pagar um alto preço para possuir um pequeno lote na terra que o próprio Criador já lhe tinha prometido.
Tais acontecimentos serviram-lhe para mostrar que seu ponto de parada não é este mundo tal como está. A promessa que recebeu, lhe garantiu a restauração do cosmo, para que este se torne novamente o ambiente propício para o relacionamento entre Deus e seu povo, ou seja, Abraão sabia que havia muito mais a lhe ser dado do que a possessão daquele campo.
Da mesma sorte, nós, hoje, precisamos ter sempre em mente, como já foi abordado em alguns sermões anteriores, que a jornada rumo ao nosso lar demanda uma peregrinação longa e cansativa, e até mesmo que paguemos certo preço, não um preço pela salvação, pois já foi paga em Cristo, mas pelo fato de não pertencermos a esse mundo tenebroso. Num mundo caído, tudo o que faça referência à santidade de Deus é indesejado, e nós, somos as maiores testemunhas de que toda a terra pertence ao Criador, o que certamente despertará a inimizade dos ímpios.
Isso nos leva a contemplar também que o cumprimento da promessa de Deus de nos dar uma terra que mana leite e mel, implica necessariamente a tomada desta mesma terra de todos aqueles que se opõem a vontade divina. Assim como Efrom teve parte de sua terra tirada de si, embora considerasse isso como tendo sido um ganho, na verdade estava sendo usado por Deus como um demonstrativo de como o SENHOR faria aos seus inimigos, "tirando o que têm" e dando aos seus filhos.
A igreja do SENHOR peregrina na mesma terra que receberá por herança, terra que será tirada dos adversários de Cristo, e entregue ao seu povo. Nela, Cristo habitará para sempre "tabernaculando" conosco, para a glória de Deus. A fé de Abraão era de que possuiria esta terra; o lugar da habitação de Deus. Essa era sua fé... essa é a nossa fé.... nossa certeza.
Conclusão
Gênesis 22.20-23.20 é o demonstrativo de que, através do Messias prometido, o SENHOR nos garante a entrada e posse do Novo Céu e Nova Terra. Ainda que sejamos estrangeiros e peregrinos, um dia nossa jornada acabará, quando poderemos finalmente fixar residência na Cidade Santa, da qual o centro será o próprio Trono de Deus, sobre o qual estará aquele que nos redimiu, e nos chamou pela fé, dando-nos o direito de posse da Terra Prometida.