Gênesis 20

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Moisés demonstra que o favor divino se mantém sobre seu servo Abraão, encorajando o povo de Israel a enxergar como a graça do SENHOR os guiará até a terra prometida, os fazendo prosperar mediante a fé no Deus que poderosamente os tirou do Egito, assim como ocorrera com Abraão na casa de Abimeleque, fato que também aponta para aquilo que realizou o SENHOR em favor de Israel quando estava no Egito.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 20
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Retornando a temática da saga abraâmica e do amadurecimento da fé do patriarca, Moisés narra mais um episódio onde Abraão terá sua fé testada. Simultaneamente, é exibido mais um cenário de paralelismos entre a narrativa de Abraão e o êxodo de Israel da terra do Egito. A intenção do autor é demonstrar novamente, como ambas as histórias estão conectadas (Abraão e Israel), ampliando através de alguns detalhes peculiares, princípios que explicarão ao povo o que foi realizado a seu favor enquanto estava no Egito, e de como tais eventos apontam para as intenções divinas de levar adiante seus planos de redenção dos seus eleitos.
A preservação e zelo do SENHOR em favor de Abraão, apesar de sua reincidente fraqueza na fé são o foco de Moisés, usando esse relato como base de sua exortação ao povo de Israel. Assim, veremos hoje a preservação divina como guia para a fé no SENHOR, como tema central do texto de Gênesis 20.
Elucidação
Levando em consideração a semelhança dos textos de Gênesis 12.10-20 e o presente capítulo, veremos que o ponto comum entre ambos é a exibição de mais um lapso ou vacilo na fé do patriarca, que ainda precisa obter da parte de Deus o fortalecimento para crer que o SENHOR é o seu guardador; aquele que não somente o preservará a salvo, garantindo-lhe o cumprimento da promessa, mas também o guiará pelo percurso até que possa compreender a amplitude da obra salvadora que está sendo desenvolvida por meio dele, tendo em vista o chamado à salvação estendido a todas as nações da terra (Gn 12.3; 18.18).
Entretanto, Gênesis 20 faz parte de um bloco maior que introduz um ponto específico na epopéia abraâmica: o nascimento de Isaque (Gn 21) e de como o SENHOR usará tal evento como clímax de seus planos na vida do patriarca, expondo-lhe à compreensão e percepção de que o ancoradouro das promessas a ele feita, é a menção do descendente prometido como promotor da verdadeira herança garantida a ele (Gn 22). Porém, através da narrativa, equivalências entre a saga israelita e a abraâmica, exporão o objetivo exortativo do autor, quais sejam: 1) A relação distinta entre Deus e Abimeleque como referência para a relação entre Deus e faraó; 2) As pragas como instrumento da ira divina contra os que se opõem aos planos redentivos; e 3) O profeta como porta-voz de Deus, e executor de sua vontade.
1) A relação distinta entre Deus e Abimeleque como referência para a relação entre Deus e faraó.
A narrativa é introduzida com um resumo em que o autor apresenta abruptamente a postura vacilante de Abraão, recurso que faz com que o leitor seja rapidamente remetido ao episódio anterior em que o patriarca incorreu no mesmo erro (Gn 12). Desse ponto, outra transição é feita, em que o narrador de maneira onisciente, volta-se a advertência feita por Deus à Abimeleque em relação a Sara.
A revelação de Deus a Abimeleque acontece de maneira indireta por meio de um sonho, sendo suficiente para que este tema a Deus e corrija seus atos diante de Abraão. O diálogo apresenta uma explicação do porquê o SENHOR puniu de morte o faraó que se levantou contra Israel, quando este impediu o povo de ir ao deserto adorar a Deus: mediante o diálogo estruturado por Moisés em que explica o sonho que Abimeleque teve, o autor elucida o fato de que, diante da revelação de que estava para pecar contra Deus e da ação que comprova seu arrependimento, o SENHOR demonstrou misericórdia para com Abimeleque, pois diferente do que supôs a Abraão, havia algum temor de Deus naquela terra (v.11), postura que não foi encontrada em Ramsés, (que era faraó no Egito no período em que os hebreus eram seus escravos), que de maneira contumaz e rebelde, ao invés de libertar o povo de Israel, mesmo sofrendo 9 pragas, não deixou o povo ir, e quando permitiu, voltou atrás em sua decisão, sendo vitimado pelo juízo divino.
Um ponto didático duplo é percebido no texto: como dito, o diálogo adianta tanto a razão da morte do faraó Ramsés, quanto exorta o povo a perceber a misericórdia de Deus mediante um arrependimento verdadeiro. O temor do SENHOR livrou Abimeleque de grande desgraça, da mesma forma como livraria Israel, se temesse a Deus e fizesse sua vontade.
2. As pragas como instrumento da ira divina contra os que se opõem aos planos redentivos.
Mais uma vez a temática de pragas é trazida de volta, e são usadas por Deus como punição contra indivíduos que se colocam entre o SENHOR e seu servo, ameaçando o cumprimento das promessas, como foi o caso do Faraó em Gn 12, e agora, com Abimeleque; ambos, tirando Sara de Abraão para a possuir como esposa, interferem nos planos de Deus de por meio da união entre Abraão e Sara, originar nações, incluindo um povo específico que assim como o patriarca, será o instrumento do anúncio da glória de Deus e de seus planos redentores.
De maneira ainda mais específica e até irônica, a praga que desta vez é escolhida por Deus para assolar o opositor é a esterilidade. Tendo em vista que até aquele momento Sara não havia tido filhos, a esterilidade das mulheres na casa de Abimeleque (v. 18) abre caminho para a narrativa seguinte, quando após ter promovido o bem-estar de seu servo, Deus cumpre sua promessa, e Sara concebe um filho: Isaque (Gn 21).
O contraponto com a narrativa do êxodo dá-se devido ao fato de que a última praga que veio sobre o faraó no Egito, por não ter deixado ir o povo de Israel, foi exatamente a morte dos primogênitos. A lógica parece ser a de que; tendo em vista que faraó não quer libertar o povo de Israel para que cultue ao SENHOR, sua descendência foi executada, e a linhagem real no Egito foi interrompida com a morte do primogênito. Da mesma forma, tendo se colocado em oposição aos planos do SENHOR, interferindo na linhagem que fora prometida por Deus a Abraão a partir de Sara, ao próprio Abimeleque é negada uma descendência. Todavia, após ser alertado por Deus de que estava para incorrer em grave pecado, Abimeleque restitui Sara à Abraão, que, pela intercessão deste, vê a praga cessar.
Nesse ínterim, a Escritura apresenta pela primeira vez a temática do profeta como arauto de Deus. A narrativa em questão estruturando dessa forma, outra conexão que estreita o paralelismo entre Abraão e Israel, porém, o modo como os personagens são descritos intensificam essa relação.
3. O profeta como porta-voz de Deus, e executor de sua vontade.
Se visualizarmos a narrativa desse ponto de vista, alguns detalhes exibirão uma intencionalidade peculiar: ao passo que Deus pune Abimeleque e sua casa com uma praga de esterilidade, por ele ter tomado Sara de Abraão, colocando-se como opositor aos planos divinos de que o filho de Sara deveria vir de seu casamento com Abraão - numa que esse filho seria o cumprimento das promessas do SENHOR- é dito que Abraão é um profeta, e por essa razão "intercederá por ti (Abimeleque), e viverás" (v.7). O papel intercessório geralmente é atribuído a um sacerdote, que medeia a relação entre Deus e os homens em relação a transgressão, entretanto, a classificação de Abraão como profeta o aproxima do próprio autor (i.e. Moisés), levando em consideração sua função de intercessor diante de Deus quando do derramamento das dez pragas no Egito.
Assim, a intercessão de que se fala no texto, não é aquela responsável por apaziguar a relação entre o SENHOR e qualquer outra pessoa, mas, desempenhando uma função diplomática, Abraão age como um profeta, funcionando como um emissário do verdadeiro Rei a quem Abilemeque deve submeter-se, assim como Moisés intercedeu diante de Deus em favor do faraó Ramsés, para que determinada praga cessasse.
Síntese paralelística
O objetivo de todos estes paralelos na narrativa é apresentar não somente um modus operandi semelhante entre as histórias, mas principalmente, fazer com que o povo de Israel identificasse o Deus que os havia tirado do Egito com aquele que havia prometido a Abraão uma numerosa descendência e o guiou a salvo em seu percurso. O "Eu Sou"que havia se apresentado por intermédio de Moisés ao povo, era o mesmo que no passado também havia derramado pragas sobre reis em favor de seu servo Abraão, fazendo-o inclusive prosperar em terra alheia (v.15-17), preservando-o graciosamente.
Perspectiva inter-canônica
Ao analisarmos a passagem do ponto de vista inter-canônico, percebemos que esse arcabouço teológico é o modo por meio do qual os escritores bíblicos interpretaram Gênesis 20.
Alguns salmistas, sintetizando e elucidando o tema tratado neste capítulo, de fato possuíam como perspectiva hermenêutica dessa narrativa a ideia de que Deus estava preservando Abraão em sua peregrinação fazendo com que sua jornada fosse bem sucedida, tanto do ponto de vista de um progresso do cumprimento e tomada da terra prometida, quanto para o princípio jungido a esse tema, que é a salvação reservada para os eleitos de Deus. No Salmo 105, encontramos a seguinte leitura dos fatos narrados em Gn 20:
"Ele é o Senhor, nosso Deus;
os seus juízos permeiam toda a terra.
Lembra-se perpetuamente da sua aliança,
da palavra que empenhou para mil gerações;
da aliança que fez com Abraão
e do juramento que fez a Isaque;
o qual confirmou a Jacó por decreto
e a Israel por aliança perpétua,
dizendo: Dar-te-ei a terra de Canaã
como quinhão da vossa herança.
Então, eram eles em pequeno número,
pouquíssimos e forasteiros nela;
andavam de nação em nação,
de um reino para outro reino.
A ninguém permitiu que os oprimisse;
antes, por amor deles, repreendeu a reis,
dizendo: Não toqueis nos meus ungidos,
nem maltrateis os meus profetas" (Sl 105.7–15).
A tese central do texto de Gênesis 20, segundo o salmista, é a observação de como Deus cuidou de seus servos ao longo de seu percurso neste mundo, favorecendo-os inclusive por meio de reis que foram usados para abençoar seu povo. Abimeleque foi um instrumento divino para que Abraão fosse enriquecido (vs. 14-16), assim como aconteceu quando por ocasião da passagem do patriarca pelas terras egípcias no capítulo 12, e como ocorreu ao povo de Israel por ocasião de sua saída do Egito.
É válido porém salientar que, em momento algum as atitudes de Abraão são justificadas pelos autores bíblicos: sua fé ainda é débil e necessita de fortalecimentos, pois agindo de maneira temerária e incrédula, ele confia que sua vida será mantida a salvo por meio de seus próprios esforços, que no casos citados, sempre giram em todos de artifícios pecaminosos. Ainda assim, a divina providência faz com que os acontecimentos convertam o mal que intentou Abraão em sua falta de fé, em bem para ele e sua casa, mediante a graça do SENHOR que o faz achar mercê diante dos homens.
Transição
Gênesis 20 é a preparação do cenário para que a bênção do cumprimento das promessas de Deus sejam derramadas sobre Abraão, conforme será visto no episódio seguinte (Gn 21 - o nascimento de Isaque) porém, antes de conceder a Abraão o cumprimento da promessa, a fé do patriarca precisa mais uma vez ser fortalecida, pois ainda titubeia na crença de que Deus é seu galardoador.
Da mesma forma, tal fato serve como mais um parâmetro através do qual Moisés exorta o povo de Israel a ver como através da história, reis foram usado pelo SENHOR como instrumentos de sua graça em favor de seu povo, assim como fora com Abraão, o qual prefigurou o cuidado e zelo desprendidos pelo Criador a fim de garantir-lhe a herança prometida.
Assim, o autor divino usa do texto para expor à sua igreja que os planos salvíficos feitos no passado, percorrem o desenvolvimento histórico até que alcancem a plenitude dos tempos; momento em que a graça pactual de Deus providencia a vinda dAquele que é a plena salvação dos eleitos do SENHOR.
Porém, há ainda outros princípios expostos pelo texto a serem aplicados a nossa vida.
Aplicações
1. O sustento da nossa fé não vem do quanto somos capazes de nos manter firmes em nossas convicções, mas de Deus revelar-nos, pela sua palavra, o quanto é fiel ao que prometera.
João Calvino, comentando este texto, nos exorta nas seguintes palavras:
Nessa história, o Espirito Santo nos apresenta um notável exemplo, tanto da fragilidade do homem quanto da graça de Deus. Diz um provérbio popular que mesmo os tolos se tornam sábios quando sofrem o mal. Abraão, porém, esquecido do grande perigo que lhe sobreveio no Egito, uma vez mais feriu seu pé contra a mesma pedra, embora o Senhor intencionalmente o castigasse, para que a advertência lhe fosse proveitosa, ao longo de toda a sua vida. Por isso, percebemos, no exemplo do santo patriarca, quão facilmente o esquecimento, seja dos castigos, seja dos favores de Deus, despercebidamente nos atinge. Pois é impossível justificar sua grosseira negligência e não se lembrar de que uma vez tentara a Deus; e que fora o único culpado, se sua esposa se tornara propriedade de outro homem. Mas, se nos examinarmos atentamente, raramente se achará alguém que não reconheça que frequentemente comete o mesmo erro (CALVINO, 2018, p. 554-555).
A reincidência de Abraão no mesmo erro cometido anteriormente, mesmo depois de tantos fartos sinais de que Deus era favorável a ele, sendo seu amigo, foi um lembrete claro ao povo de Israel e o é para nós hoje, que nossa jornada não está sendo sustentada pela pujança da nossa fé, ou pelo quanto confiamos no SENHOR guardando-nos de pecar contra ele através da incredulidade, descontentamento ou outros pecados que cometemos de novo e de novo, afinal, sabemos que não somos nada firmes ou constantes em nossa fé.
O caminho que foi preparado por Cristo é trilhado por aqueles que são constantemente amparados em suas fraquezas, sendo lembrados pelo SENHOR de que são pessoal e atentamente cuidados pelo Deus que nos chamou a peregrinar nesse mundo, partindo para uma terra que ele há de nos mostrar no Dia Final.
Nossa fé é tão débil quanto a de Abraão. Mas, da mesma forma o Deus que o sustentou no passado também nos sustenta hoje, livrando-nos até de nós mesmos. O que nos leva ao nosso segundo ponto.
2. Deus é o nosso guarda; aquele que preserva-nos em nossa peregrinação.
Assim como o salmista, cremos que Deus nos ama, "repreendendo reis" (Sl 105.14) em nosso favor. Como dito, nossa mente é tão frágil que, não importa quantas vezes Deus nos lembre que cuida de nós, nós sempre nos esquecemos disso, e o esquecimento não é simplesmente o lapso da memória, é porém, a teimosia em não confiar no Criador.
Sabemos que o SENHOR é poderoso. Sabemos que ele é bom. Sabemos que ele nos ama, mas a corrupção do nosso coração, muitas vezes nos faz simplesmente ignorar essas verdades, e passamos a agir como incrédulos. Quer um exemplo? quantas vezes Deus providenciou o sustento de sua vida por meios que claramente estavam além da sua capacidade? quantas vezes você parou para pensar que não importando o quanto sua situação estava difícil, tudo o que era necessário não lhe faltou? e quantas vezes na sua vida você não agiu de maneira a fazer pouco caso de tudo isso, como se o próprio Senhor não existisse?
O argumento de Abraão é de que ele fez o que fez por achar que não havia "temor de Deus naquele lugar" (v. 11), mas ao relembrar o acordo que fez com sua esposa para que ela mentisse, ou, dissesse uma "meia verdade", ele volta a Gn 12.11-13, relato em que pecou a semelhança do que aconteceu agora, sendo entretanto motivado pelo temor de que sua vida corresse risco, ou seja, em Gênesis 20 ele pecou de novo, não por temer que os homens de Gerar fossem em primeiro lugar ímpios, mas temeu por sua vida, esquecendo que o SENHOR era seu protetor.
O zelo com a vida, as preocupações e demandas, e por fim, nosso próprio coração, nos fazem enxergar de maneira cada vez menor a boa mão da providência nos guiando até o centro da vontade o SENHOR, que inclui não o usufruto de bênçãos materiais somente, mas principalmente, o desfrutar de sua presença, em Cristo, eternamente.
Conclusão
Gênesis 20 é um maravilho quadro onde contemplamos a graça do SENHOR preservando a vida de seus eleitos a cada passo da nossa jornada, que nos leva ao cumprimento último da promessa de Deus: nos seremos para sempre o seu povo, e ele, o nosso Deus, por meio de Cristo Jesus, o Filho prometido, que veio levar de à terra prometida.