Gênesis 18

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 20 views

Gênesis 18 é a apresentação ao povo de Deus de mais um detalhamento do modus operandi da redenção a ser executada pelo SENHOR: o sacríficio agradável mediante a intercessão, proporcionarão o livramento da igreja do derramar da ira divina contra o pecado.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 18
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Em prosseguimento a saga abraâmica, o autor retorna à temática da relação entre Abraão e Ló, seu sobrinho, tendo em vista demonstrar uma relação muito peculiar entre ambos, relato que substanciará a demonstração do cumprimento da promessa do SENHOR de que abençoaria todas as nações da terra (v. 18). Assim, a narrativa em questão pode ser considerada um prólogo para os fatos a seguir, principalmente em relação a destruição de Sodoma e Gomorra, devido seu pecado, e o livramento operado em favor de Ló.
Mais uma vez, é possível notar uma estrutura tríplice no texto, levando em consideração tanto o movimento narrativo em que a cada virada, os agentes da operação da vontade divina encaminham-se em direção a Sodoma e Gomorra, bem como o próprio teor estrutural esboçado pelo autor, a fim de que sua exortação esteja latente aos seus leitores, qual seja: a intercessão de Abraão como instrumento da misericórdia divina.
Tal estrutura pode ser explicada por meio de uma evolução crescente desde o encontro inicial de Deus com Abraão, em que o foco parece concentrar-se sobre o patriarca - onde a própria Sara duvida do cumprimento da promessa (o que caracteriza-se como continuação da narrativa anterior), até o diálogo intercessório iniciado por este. Contudo, o autor mantém o uso de um "paralelismo análogo" entre o patriarca e o povo de Israel, a fim de que a noção teológica do fato fique evidente. A estrutura pode ser notada a partir do seguinte esboço:
1. O oferecimento de uma oferta pacífica e a confirmação da promessa (vs. 1-15).
2. A declaração dos planos divinos (vs. 16-21).
3. A intercessão de Abraão e a demonstração da misericórdia divina (vs. 22-33).
Cada um desses pontos, visa preparar o leitor para a cena seguinte, quando todos os princípios demonstrados até este ponto, serão executados. Com isso, a narrativa de Gn 18, concentra-se na temática da intercessão sacrificial como instrumento da misericórdia divina.
Elucidação
1. O oferecimento de uma oferta pacífica e a confirmação da promessa (vs. 1-15).
O texto é iniciado com a descrição de uma subsequente aparição divina. A teofania relatada exibe Deus assumindo uma forma humana, acompanhado por dois outros homens (provavelmente anjos), apontando para o desenrolar dos fatos: Abraão permanece junto ao SENHOR, ao longo do texto, enquanto que os dois outros homens, como agentes da vontade divina, encaminham-se para cumpri-la, mediante o que for resolvido através do diálogo entre Deus e o patriarca.
Entre a conversação com Deus e a execução do juízo, o autor aponta para um momento em que Abraão oferece ao SENHOR e seus acompanhantes uma refeição. Alguns comentaristas referem-se a esta postura do patriarca, como sendo parte de um costume antigo de hospitalidade, que também possuía uma espécie intenção diplomática: agradar possíveis inimigos transformando-os em aliados.
Porém, levando em consideração o autor do livro e o teor da refeição, faz mais sentido olhar para essa atitude de Abraão como uma tentativa de de fato agradar ao SENHOR, a fim de que este se torne favorável ao próprio Abraão, o que acontece por vias da repetição da promessa da vinda de um filho a Abraão a partir de Sara. O arcabouço conceitual dos elementos da refeição também está muito próximo do que será estabelecido no sistema sacrificial levítico como a oferta de manjares e de sacrifício pacífico, em que os elementos constituintes são porções de flor de farinha e um cordeiro tenro e perfeito (cf. Gn 18.6 - Lv 2.1; Gn 18.7 - Lv 3.6).
O contexto usual desses elementos faz parte das ofertas em referência ao pecado do povo e, especificamente, continham a conotação de agradar ao SENHOR, tornando-o favorável para que a justificação pudesse ser executada.
Dessa forma, Moisés está expondo ao povo que todo o sistema sacrificial que lhe fora dado por Deus, já havia sido compreendido pelos patriarcas como um apontamento para a obra da redenção, isto é, a execução do juízo divino (encenado pela morte do cordeiro), representando a ira merecida que deveria ser derramada sobre o pecador, que é substituído, hora, figurativamente, pelo animal morto, mas futuramente, literalmente pelo próprio Filho de Deus, é aplacada, e o pecador pode ser agora justificado, sendo o SENHOR favorável a este.
Ao oferecer aquela refeição, Abraão está figurando toda a obra redentiva, e a prova disso, é a confirmação da graça divina no cumprimento da promessa de um filho (vs. 9-15), ainda que a própria Sara, diante do agravante de sua idade avançada, não consiga ver como poderia ser possível tal coisa, o que por sua vez, reforça o favor divino, em pelo seu poder, transpor quaisquer dificuldades (do ponto de vista humano) (v. 14). O que nos encaminha a segunda parte da narrativa.
2. A declaração dos planos divinos (vs. 16-21).
A movimentação da narrativa a partir desse ponto até ao capítulo 19, dá-se em volta do deslocamento da comitiva divina em direção à execução da vontade do Soberano (v. 16). Porém, nesse ínterim, o próprio SENHOR Deus exibe a intimidade desfrutada diante de si por seu servo Abraão, revelando-lhe seus planos futuros.
Mais uma vez as cidades de Sodoma e Gomorra são apresentadas na narrativa como antagônicas a Deus, evidenciando uma cultura iníqua que desagrada o Criador (v.20). Porém, o leitor é rapidamente remetido - por ocasião da narrativa seguinte - ao lugar em que está Ló, sobrinho de Abraão, conforme registrado anteriormente (Gn 13). Cria-se a tensão entre o desejo divino de destruir as cidades ímpias, e a pergunta retórica feita por Deus: "ocultarei a Abraão o que estou por fazer…?". O intuito dessa pergunta e das razões anexadas a ela (vs. 18-21), é introduzir o diálogo em que Abraão intercederá diante de Deus por seu sobrinho, e principalmente, destacará o Criador como justo juiz sobre toda terra (v. 25), que certamente distinguirá o justo do ímpio, a fim de que execute este sem atingir aquele.
Outra vez, o relato não é leviano e possui objetivos específicos. O autor, por meio de uma descrição onisciente dos fatos (os pensamentos íntimos de Deus), expõe um princípio que deve estar suficientemente cristalizado na mente do povo de Israel: os eleitos do SENHOR, tendo sido chamados em Abraão para a salvação, andam de conformidade com a justiça que é esperada daqueles que desejam herdar as promessas feitas ao patriarca e seus benefícios assim como o próprio Abraão, e além disso, aqueles que são alvos da misericórdia divina serão distingidos por Deus por meio da justificação (prefigurada pela oferta de um sacrifício agradável e perfeito, conforme a seção anterior), e assim, salvos da condenação que cairá sobre os que se rebelam contra o Criador.
Com a cena montada, a narrativa progride mediante a declaração por parte do Criador de que averiguará a situação, objetivando emitir o juízo necessário (v. 21). Tal postura está vinculada ao costume radicado no texto de Gênesis de que frente ao pecado ou a quebra de seus mandamentos, o criador desce (ou vem) analisar o ocorrido e sentenciar os culpados, assim como aconteceu no episódio da queda (Gn 3.8); e em Babel (Gn 11.5, 7). A "descida" do juiz in loco é somente mais um sinal deixado pelo autor de que a execução da sentença é iminente, o que por sua vez, abre caminho para o diálogo intercessório entre Abraão e Deus.
3. A intercessão de Abraão e a demonstração da misericórdia divina (vs. 22-33).
Novamente, a guarnição angélica movimenta-se rumo ao lugar designado por Deus para a execução do juízo, como registra do verso 16:
“Tendo-se levantado dali aqueles homens, olharam para Sodoma; e Abraão ia com eles, para os encaminhar”.
Como já exposto, a partir desse ponto, Moisés registra o clamor de Abraão em favor de seu sobrinho, Ló.
Apesar da argumentação de Abraão questionar se o SENHOR pouparia a cidade por amor de um determinado número de possíveis justos que habitariam lá, o ponto enfático da narrativa é o favor divino para com “os justos”, e não uma salvação irrestrita que contemplaria os inimigos de Deus. Tal perpectiva concorda com a própria estrutura do livro de Gênesis conforme analisado até este ponto.
Ao longo da narrativa é perceptível o modus operandi da salvação operada por Deus, agindo em favor de seus eleitos, distinguindo-os dos ímpios que serão alvos da ira do SENHOR. Por exemplo, na saga noética, Deus anuncia o juízo, e o modo através do qual vai preservar a vida daqueles que escolheu soberanamente (e.g. Gn 6.17-19:
Gênesis 6.17–19 RAStr
Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá.Contigo, porém, estabelecerei a minha aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos.De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca, para os conservares vivos contigo.
Analisando outra vez o episódio de Babel (Gn 11.7, 8) , encontramos a mesma estutura: o justa é retirado da presença dos ímpios, como sinal da benevolência divina sobre ele:
Gênesis 11.7–8 RA
Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o Senhor os dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade.
A intercessão de Abraão, não pode ser entendida como algum tipo de solicitação para que Deus simplesmente anule a sentença contra Sodoma, mas que, levando em consideração seu próprio caráter (i.e. justiça (v.25)), livre aquele por quem ele intercede. Além disso, uma ênfase é dada, quando, momento após momento, o patriarca argumenta com Deus reduzindo o número hipotético de justos, afim de que a misericórdia do Criador aumente.
Abraão é então usado por Deus para exemplificar como sua obra graciosa de salvação seria executada sobre seus eleitos: Uma oferta sacrificial e pacifica, seguida por uma intercessão que leva em consideração o caráter justo e integro do próprio SENHOR, que resulta na salvação de seus eleitos.
Leitura de Gênesis 18 pelo Novo Testamento
Mais uma vez as referências neotestamentárias em relação ao texto de Gn 18, apontam para uma ampliação do significado dos eventos narrados, quando, por exemplo, o apóstolo Paulo em Romanos 9.9, menciona o episódio, atrelando-o a própria obra eletiva de Deus na salvação de seus eleitos, observando o decurso da história que repetirá os eventos (i.e. em relação a impossibilidade gestacional de Sara e Rebeca), aludindo ao teor principal da promessa de que Abraão teria um filho. Porém, levando em consideração a própria continuação argumentativa, é possível perceber que o apóstolo não está chamando a atenção para o nascimento de Isaque apenas, mas o trata como mais um referencial da execução da obra salvadora de Deus em Cristo Jesus (o descendente prometido - final).
Ao interpretar que todos aqueles eventos, incluindo o nascimento de Esaú e Jacó, representavam o chamado eletivo e soberano de Deus para salvação, Paulo analisa o cenário de Gn 18 como sendo outro demonstrativo do modus operandi da graça divina em expor a Abraão a promessa pactual que lhe fizera.
Da mesma sorte, Lucas em seu evangelho ecoa o que foi dito pelo SENHOR a Abraão quando prometeu que Sara teria um filho, unindo os episódios da promessa de um descendente a Sara ao nascimento do próprio SENHOR pela expressão paralela:
Gn 18.14:" Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil?".
Lc 1.37: "Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas".
Com isso, a interpretação do Novo Testamento no que tange ao relato da promessa divina em direção a Abraão de que teria um filho após um ano daquele encontro, é de que tal promessa é cumprida em Cristo Jesus, especialmente levando em consideração os relatos seguintes.
Após o encontro entre Deus e Abraão, os planos do SENHOR de julgar Sodoma e Gomorra são revelados, porém, a pergunta retórica feita pelo Criador contida nos versos de 17 à 19, (como já dito) demonstra a intenção divina de expor que na verdade, apesar de direcionar-se para a execução daquelas cidades, a salvação se mostraria mais uma vez envolvida pela execução da sentença contra os ímpios. Mais uma vez, Moisés, exibe a temática do juízo de Deus contra o pecado em simultaneidade com a salvação.
Mediante a intercessão feita por Abraão, após o oferecimento de uma refeição que tencionava agradar ao SENHOR, em referencial a oferta de manjares do sistema sacrifical levítico (Lv 2-3), a intercessão é feita em favor de um justo. Todo esse quadro geral, ligado a ótica do NT em relação ao sacrifício de Cristo, assume a perspectiva de prenunciação de como a obra redentiva seria executada, agora, tendo sido fornecido mais detalhes sobre ela: Assim como visto à luz do capítulo 15, quando um pacto de sangue é firmado, demonstrando que o próprio Deus comprometera-se em salvar seu povo, e após o capítulo de Gênesis 17 ter revelado que tal sacrifício implicaria na purificação do povo de Deus, Gn 18 demonstra que tal sacrifício agradaria ao SENHOR ao ponto de proporcionar o livramento daqueles que pela fé foram justificados (crendo da promessa divina) do juízo vindouro. O nascimento de Cristo é a prova de que Deus providenciou o Sumo Sacerdote, cuja intercessão e sacrifício seriam eficazes para que seu povo fosse salvo da ira divina contra o pecado.
Transição
O Texto de Gênesis 18 exibe o teor referencial em que a exortação de Moisés para com o povo de Israel é embasada numa estrutura que aponta para a realidade a ser experimentada pelo povo, ao manter-se confiante no SENHOR como seu salvador. Mediante a introdução da ideia de sacrifícios pacíficos e agradáveis, Israel familiariza-se com o teor redentivo que aponta para sua libertação tanto do Egito, conforme já havia ocorrido, quando a ser executada finalmente por ocasião da chegada do descendente prometido, de acordo com a referência feita através de Isaque (v. 14 - Lc 1.37).
Assim como o SENHOR por meio da oferta hospitaleira de Abraão e sua intercessão estaria providenciando a libertação de Ló da cidade a ser condenada por Deus, o povo de Israel, mediante a misericórdia divina, foi liberto do Egito, e veria o quanto o juízo divino recaria sobre todos aqueles povos que; tendo rebelado-se contra o Criador, seriam destruídos, enquanto que Israel seria preservado.
A confiança do povo de Deus de que o SENHOR age com misericórdia, livrando seus eleitos da condenação mediante sacrifício agradável e intercessão, configura-se o centro exortativo do texto, que também deve ser direcionado a igreja de Cristo hoje.
Aplicação
A salvação consiste em Deus providenciar para si um sacrifício agradável, por meio do qual justifica seu povo e o livra do juízo.
A obra da salvação que Deus executou em nosso favor envolve primeiramente a satisfação da sua justiça santa, o que necessariamente nos faria ser condenados e destruídos. Porém, em seu sábio e santo conselho, Deus providenciou que uma oferta agradável pudesse ser o preço justo a ser pago para que ele purificasse seus eleitos do pecado, trazendo-os de volta aos seus braços.
Abraão oferece a Deus uma refeição, e como era costume em seu tempo, esse tipo de hospitalidade também servia para tornar possíveis inimigos em aliados. Contudo, para além de uma simples refeição com o objetivos diplomáticos, como já temos visto, Moisés fez um adiantamento do sistema sacrificial levítico, que incluía a oferta de manjares e de sacrifícios pacíficos a Deus a fim de que o pecado fosse referencialmente coberto.
Todo esse cenário, ligado ao episódio onde Abraão, como amigo de Deus, é sabedor dos planos do SENHOR de destruir Sodoma e Gomorra, (localidade em que habitava seu sobrinho Ló, por quem intercede), serve como apontamento da obra redentiva: Deus mesmo entregaria seu FIlho, Jesus Cristo, que como Sumo Sacerdote, que tanto se oferece como sacrifício perfeito e capaz de remir pecadores, quanto intercede por nós junto ao Pai, a fim de que sejamos livrados do derramamento da justiça divina.
A graça superabundante de Deus é mais uma vez demonstrada ao patriarca, e pelo relato, ao povo de Israel, que por sua vez, cria naquilo que temos testemunhado pela fé mediante a obra do Espírito Santo: somos salvos da condenação por meio da morte de Cristo, que proporcionou nossa justificação diante de Deus.
Conclusão
Visualizamos pela fé o sacrifício executado pelo Pai em Cristo Jesus que nos garante o benefício do livramento do juízo vindouro. Apesar de como Ló, não sermos justos, fomos agraciado com a salvação, que é fruto da fidelidade divina às sua promessas feitas a Abraão. Nele, todas as nações da terra seriam benditas, e nós somos a prova disso. Como filhos de Abraão, conforme o versículo 19, que pratiquemos a justiça, a fim de proclamarmos a graça de Deus em Cristo Jesus, que salvou miseráveis pecadores do juízo final.