Gênesis 16

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 19 views

A narrativa de Gênesis 16 demonstra outra oscilação na fé de Abrão, e como por meio dessa oscilação o SENHOR deseja exortar seu povo através do autor do texto (i.e. Moisés), a confiar na execução de seus planos, ao invés de tentarem, por vias carnais, apropriar-se das promessas divinas.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 16
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Em mais um episódio da trama abraâmica, após a ocasião em que um pacto fora firmado como demonstrativo do modo como o SENHOR operaria a redenção prometida ao patriarca, Moisés contrapõe a narrativa anterior com o capítulo 16, elucidando mais um lapso na fé de Abrão, centralizando ainda outra vez a temática do herdeiro prometido. A exortação central do texto, elucida, apesar da falha de Abrão e Sarai, como a mão de Deus guia a história, demonstrando sua ação poderosa em salvar seu povo eleito, de maneira unilateral. Assim, veremos hoje a exclusividade da providência divina para execução e obtenção da redenção.
Elucidação
A temática de um filho ou herdeiro da linhagem de Abrão é o tema dos dois episódios (Gn 15, 16), justapostos por contraste. Embora Deus tivesse mostrado ao patriarca que a salvação (redenção/herança) não lhe fosse concedida mediante alguma parceria ou mesmo agência puramente humana (Gn 15.10-18), para Abrão, a certeza de que Deus providenciaria um filho é considerada distante ou mesmo impossível, ao que parece, e a própria Sarai demonstra uma inclinação parecida.
Enquanto que o capítulo 15 inicia-se com a dúvida de Abrão pelo fato de ele ainda não ter gerado um filho, no verso 2 do capítulo 16, Sarai falha em crê nas promessas do SENHOR ao seu marido, atribuindo o impedimento conceptivo ao próprio Deus (Gn 16.2). Mesmo tendo crido na palavra divina (Gn 15.6), Abrão cede à tentação de precipitar-se, adiantando o cumprimento da promessa pelas vias humanas.
O plano de providência de um herdeiro para Abrão segundo os padrões mundanos já havia sido rejeitado por Deus, quando Abrão menciona, segundo o costume de seu tempo, que em seu caso (como não tinha ainda filhos) o servo mais velho e de mais alto posto em sua casa seria seu herdeiro (Gn 15.2). Porém, Sarai, não atentando para esse princípio estabelecido pelo próprio Deus, busca seus próprios meios de lograr êxito em "gerar uma prole". Segundo Walton:
Escravas ou servas eram consideradas propriedade ou extensão legal de suas senhoras. Assim, é bem possível que Sarai usasse Hagar para a execução de diversas tarefas na casa, até mesmo como substituta para seu ventre estéril (WALTON, 2018, p. 58).
O meio que Sarai enxerga de obter a descendência que tanto esperava que lhe fosse concedida, seria agindo de maneira incrédula para com as promessas divinas, atentando contra os planos do SENHOR - assim como anteriormente havia feito seu marido - oferecendo a este sua própria serva, como alternativa para a obtenção do cumprimento da promessa.
A interposição de Agar e seu filho Ismael na história do patriarca, impulsiona mais um desdobramento do plano redentivo do SENHOR para salvação de seu povo. Enquanto que a promessa de Deus era de que por meio de Abrão e Sarai a descendência divina seria gerada, um ponto claro no oráculo divino enfatiza a multiplicação do patriarca em nações, sobre as quais repousaria a bênção de Deus (Gn 12.3). Assim, apesar do grave erro de Abrão em buscar realizar por conta própria aquilo que Deus o havia prometido, a divina providência rege a história para a glória do Criador, fazendo com que aquilo que fora dito, seja efetivado. Abrão, culpado por sua fé ainda imatura. - embora mais refinada do que quando saiu de Harã - não percebe que Deus estava cumprindo o que falara, mesmo através de seu erro. Não é a primeira vez que o mal intentado pelo patriarca é mudado em bem, como foi o caso de Gn 12.10-20, quando através de seu pecado, o SENHOR, mesmo disciplinando seu servo por meio da humilhação da exortação vinda de um rei ímpio, o torna mais rico do que antes, engrandecendo-lhe o nome.
Agora, Agar e Ismael são os instrumentos usado por Deus para que um pano de fundo referencial seja posto para observação dos leitores originais quanto ao fato de que, mesmo através de seus erros e pecados, o SENHOR não volta atrás em suas promessas. A misericórdia divina garante que até as falhas do povo de Israel, são calculadas pelo Criador, a fim de mostrar que a redenção não depende do quanto são pacientes em aguardar o cumprimento da promessa, mas depende exclusivamente do Redentor, em manter-se fiel a si e à sua palavra.
Como ênfase desse ponto, um personagem especial se interpõe na narrativa como conector entre os fatos e a ação divina: o Anjo do SENHOR.
Para mediar a situação e tratar diretamente do erro cometido por Abrão, a fim de fazê-lo compreender o aprofundamento do compromisso pactual divino realizado no capítulo anterior, a figura do Anjo do SENHOR, acrescenta solenidade ao capítulo 16, quando executa o cumprimento do oráculo soberano que prometera a multiplicação de Abrão em uma numerosa multidão (Gn 12.2). O personagem é na verdade uma teofania (manifestação ou aparição do próprio Deus) da Segunda Pessoa da Trindade (i.e Cristo Jesus), conforme elucida MacDonald:
O Anjo do Senhor (Jeová) é o Senhor Jesus Cristo […]. O estudo das passagens que o mencionam deixam claro que ele é Deus e a segunda pessoa da Trindade.[…] A Escritura mostra que o Anjo é Deus. Agar reconheceu que estava na presença de Deus e se referiu a ele como “aquele que me vê” (Gn 16:13) (MACDONALD, 2011, p. 181).
Se no capítulo 14, a mediação relacional entre Deus e Abrão fora efetiva através de Melquisedeque, expondo o compromisso divino de proporcionar a obtenção da herança prometida por meio de um rei-sacerdote, que apontava para o ofício de Cristo - preparando caminho para o capítulo 15, no qual o sacrifício para execução desse fim fora demonstrado e ratificado - no capítulo 16, o próprio Deus Filho se apresenta, contrapondo a fraqueza de Abrão com mais uma prova de seu compromisso: ainda que Abrão tivesse um grave erro, sendo carnal e impaciente para ver Deus cumprir a promessa de fazer dele a grande nação de eleitos (pela fé), a Segunda Pessoa da Trindade lhe fornece um pequeno símbolo de palavra está de pé: um símbolo não muito grande ao ponto de fazer com que Abrão achasse que era o cumprimento derradeiro da promessa, mas também perceptivelmente claro para que ele aprenda a esperar e confiar na divina providência: o nascimento de Ismael.
Como dissemos antes, o SENHOR até diz que de Ismael faria uma grande nação (v.10-12), demonstrando misericórdia e condescendência, mas mediante as informações anteriores é notório que este não é o filho a respeito do qual falou o SENHOR Deus por meio de quem a linhagem abraâmica seria iniciada. O processo de maturação da fé do patriarca ainda não chegou ao fim.
Quanto ao erro cometido por Abrão e Sarai, sua mulher, não restam dúvidas de que o ponto central na narrativa é demonstrar a impaciência da ambos em esperar que o SENHOR tornasse fato aquela promessa anteriormente feita:
Moisés registra uma nova história, a saber, que Sarai, movida de impaciência pela demora, recorreu a um meio alternativo, contrário à Palavra de Deus, para dar descendência ao seu marido. Ela sabia que era estéril e que já passava da idade de gerar filhos. Portanto, inferiu a necessidade de uma nova solução, para que Abrão pudesse obter a bênção prometida. [...] Verdadeiramente, a fé de Abrão oscila, quando ele se desvia da palavra de Deus e se deixa levar pela persuasão de sua esposa a buscar uma solução que era divinamente proibida. [...] Abrão que ao longo de tantos anos, bravamente enfrentou e superou tantos obstáculos, agora se rende, num momento singular, à tentação, quem entre nós não temerá por si mesmo em semelhante perigo? (CALVINO, 2018, p. 435, 437).
Os dez anos de habitação na terra de Canaã fizeram a fé de Abrão e Sarai arrefecer, e como sempre, o coração enganoso dos homens, armou mais uma de suas ciladas. A impaciência mostrou-se um adversário contra o qual Abrão não poderia lutar sem que em primeiro lugar, entendesse que a confiança e espera (por meio da fé) em Deus é o imprescindível requisito para todo aquele que se aproxima do SENHOR (Hb 11.6).
Porém, é preciso observar de um ponto de vista mais holístico para que entendamos todo o conteúdo dessa passagem. O texto de Gn 16 é ampliado em termos de seu significado quando visto a partir do Novo Testamento, especificamente através do apóstolo Paulo em sua carta aos gálatas.
O apóstolo em Gálatas 4.21-24 usa o relato da interposição de Agar na narrativa e a concepção equivocada de Ismael como uma tentativa de Abrão de obter as promessas de Deus por vias escusas, alegorizando a situação e referenciando os personagens como fazendo parte de um enredo que aponta para uma realidade muito superior.
Como dito pelo próprio apóstolo, todo o enredo desse episódio resulta na concepção de um filho "segundo a carne" (Gl 4.3). Esse juízo de valor é emitido por Paulo tendo em vista aquilo que fora determinado por Deus para cumprimento de seu plano redentivo: o filho da promessa, ou o descendente prometido, deveria vir de Sarai (que inclusive é referenciada na narrativa bíblica como estéril (Gn 11.30)) e Abrão: uma concepção realizada não pela vontade dos homens, mas mediante o poder de Deus, assim como o próprio SENHOR, no capítulo 15, havia demonstrado. A redenção de Abrão e de todo o povo eleito vindo dele, haveria de acontecer através do auto sacrifício divino que por meio de um pacto de sangue, sela a palavra soberana expondo que seria o próprio Criador a efetivar a salvação de seu povo, sem qualquer contribuição humana no processo, senão a de ser instrumento de Deus para a vinda de seu enviado - Jesus Cristo.
Logo, como já argumentado, quando Sarai intenta obter filhos através de Agar, ela na verdade está se colocando contra os planos do SENHOR. Porém, a argumentação apostólica amplia essa visão, quando observa cada personagem (i.e. Sarai e Agar) em seus respectivos estados: Agar, sendo escrava, representa uma aliança cujo o foco era mostrar a impossibilidade do homem de salvar-se por conta própria, devido sua condição miserável diante de Deus: a aliança mosaica, que por outro lado, apontava para uma aliança superior, ou para o apogeu dos tempos, prometidos pelos pactos divinos anteriores (i.e Adão, Noé, Abraão, Moisés e Davi), que haveriam de ser cumpridos em Cristo, que é a maior intervenção divina na história humana, e representa a libertação do homem de seu estado de prisão no pecado, para a restauração do relacionamento com Deus, figurado por Sarai: a livre.
Assim, a narrativa de Gn 16 é também usada por Moisés para exprimir introdutoriamente essa realidade. O autor exorta o povo de Israel a entender que as vias humanas jamais poderão conceber a redenção divina. Ao invés de se precipitarem, achando que podem eles mesmos obter o cumprimento das promessas, ou confiando em si, poderão lograr o êxito profetizado pelo Senhor da Aliança, Israel deve confiar nas promessas de Deus, ainda que as circunstâncias pareçam contrárias, elas na verdade fazem parte de um propósito maior: a demonstração da soberania de Deus sobre todas as coisas, e de como através disso, seu povo foi, é e será favorecido, sendo redimido e usufruindo da bênção divina.
Transição
O texto de Gênesis 16, claramente é uma exortação de Moisés para com o povo de Israel. A história do patriarca Abrão não é somente um paralelo no sentido positivo, isto é, de como o povo pode ver o compromisso divino em executar seus planos redentivos favor dele, mas também no sentido negativo: os erros cometidos pelo patriarca também devem ser evitados, porém, acima disso, permanece a franca admoestação de que a providência, fará concorrer o curso da história de acordo com o decreto divino, embora isso não isente de responsabilidade os beneficiários do pacto da graça.
Porém, há outros desdobramentos desses princípios visivelmente expostos no texto, que podemos aplicar à nossa vida.
Aplicações
De maneira mais focal e prática, podemos observar um primeiro nível exortativo no texto, concentrado-nos especificamente no casal em questão: Abrão e Sarai.
Nível 1 - Situacional
Aos homens: Omissão não isenta de culpa.
Apesar de a protagonista da desconfiança na promessa divina ser Sarai, Abrão é o grande responsável por todo esse erro cometido. A proposta poderia parecer muito agradável, carnalmente falando, mas ia de encontro à Palavra de Deus que fora revelada ao patriarca. Como o líder de seu lar e chefe de sua família, Abrão deveria refrear o mal no coração de sua esposa, manifesto através da impaciência e incredulidade na salvação que o Criador haveria de executar.
Não precisamos ser literais aqui. Suas esposas não oferecerão outra mulher com a qual você deve se deitar para que ela tenha filhos. Mas as propostas do dia-a-dia parecerão tão tentadoras quanto, inclusive, quando a omissão e a inércia lhe parecerem vantajosas. Não se engane, a culpa será sua. Corroborar ou contribuir com a incredulidade dentro da sua casa e na sua família, é um pecado sobre o qual você terá de prestar contas.
A torre de vigia de sua casa é o lugar onde você deve estar a todo momento. Você não pode controlar o desejo pecaminoso no coração de sua esposa, meu irmão, mas quando o pecado se manifestar, você é obrigado pela Lei Divina a chamá-la ao arrependimento e à fé em Cristo, a fim de que ela confie no Deus Triuno.
Às mulheres: Soluções carnais e impulsivas não trazem resultados espirituais.
Minha irmã, você se lembra de Eva, e de como a serpente agiu a fim de derrubar o primeiro casal de seu estado de perfeição diante de Deus? bastou que invertesse os papéis, e tratasse diretamente com a mulher no lugar de falar com o homem. Mediante aquela situação, Eva, impulsionada pelo calor do momento, toma a pior decisão de toda a história da humanidade.
Não raro a vida clama que alguma atitude seja tomada, principalmente em situações emergenciais, mas lembre-se: a responsabilidade que recai sobre seus ombros é auxiliar seu marido, através de um procedimento santo e piedoso, guiado pela Palavra de Deus. Nunca dê vazão às inclinações corrompidas de seu coração chamando isso de "solução".
"Mas precisava ser feito?"; "era a única forma de resolver!", essas desculpas não foram suficientes para para Sarai. Era desconfiou da palavra de Deus, e agiu de maneira carnal. Ela foi impulsiva, foi apressada, foi tola. Não seja assim. Espere, ore, busque a sabedoria do Alto para que você possa aconselhar seu marido na Lei de Deus, a fim de que ele tome a melhor decisão - e por melhor, quero dizer BÍBLICA. O Senhor prometeu o sustento do seu lar, dos seus filhos, e ele está cumprindo isso através do trabalho de seu marido, ou mesmo o seu também. Espere em Deus e confie nele.
Essas considerações nos encaminham por sua vez, ao segundo nível exortativo do texto em Gn 16.
Nível 2 - Redentivo
As palavras do SENHOR não estão sujeitas ao tempo ou ao espaço, já vimos isso largamente ao longo dessa saga abraâmica: o Deus que promete é poderoso para cumprir. Passaram-se dez anos, desde que Abrão entrou na terra de Canaã, mas nada mudou, exceto que a impaciência cresceu no coração de Abrão e Sarai, de tal forma que não puderam descansar na divina providência, e, achando que poderiam contribuir para a obtenção da promessa, desobedeceram ao SENHOR que lhes havia garantido uma linhagem.
Assim como para Abrão, a impaciência é um inimigo poderoso, nos impede de ver a mão poderosa do SENHOR agindo em nosso favor ao longo da vida, e nós teimamos em querer por contra própria solucionar os problemas, principalmente quando estes parecem ser maiores do que nós.
Felizmente, a história é uma leal serva de Deus, e seus acontecimentos serviram para mostrar nossa completa insuficiência em prover o necessário para a salvação, que adentra os mínimos detalhes de nossa vida. Como mostrou o apóstolo Paulo (Gl 4.21-31), Agar e Sarai acabaram servindo como alegoria do plano salvífico: querendo salvar-se por conta própria, Sarai usou Agar como alternativa, como meio de "somar esforços com Deus" para receber a bênção prometida, mas Agar era escrava (i.e. inferior ou inicial, em referência ao pacto mosaico), restrita, limitada, representou a incapacidade de os homens, por seus esforços, obterem a salvação. Por outro lado, a partir da própria Sarai, a livre (i.e superior, em referência ao pacto da graça em Cristo), o milagre haveria de acontecer: fora de tempo e contra todas as expectativas, Deus interveio na situação de seu povo e proporcionou a redenção em Cristo, o descendente prometido a Abrão.
Cristo Jesus é a prova de que a impaciência de Abrão era fútil, diversas provas já haviam sido dadas ao patriarca a fim de que esperasse. Graças a graça de Deus que não é por nossas virtudes, especialmente por nossa paciência, que a salvação nos é entregue, mas pela fidelidade de Deus em cumprir o que prometera. Por isso, esperemos com paciência no SENHOR, pois ele se inclinará para nós e ouvirá, quando clamarmos por socorro (rf. Sl 40.1).
Conclusão
A fé é aliada da paciência que gera em nós a esperança, esperança para crermos no cumprimento das palavras do SENHOR. Estamos aguardando, assim como toda a criação, o momento da redenção, momento em que nós seremos declarados publicamente como filhos de Deus, para a glória de Deus Pai. Por isso, digamos a nossa alma:
"Por que estás abatida, ó minha alma?
Por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o louvarei,
a ele, meu auxílio e Deus meu (Sl 42.5)".
Related Media
See more
Related Sermons
See more