Gênesis 14

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
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O autor bíblico encoraja o povo de Deus a não temer tomar a herança que o Criador lhes prometeu frente aos inimigos, mediante a demonstração do favor divino através da vitória de Abrão sobre os reis daquela terra, mediada pelo rei-sacerdote que prefigurava Cristo e também uma possessão superior: a redenção.

Notes
Transcript
“Este é o livro das gerações ...” (Gênesis 5.1).
Gênesis 14
Pr. Paulo Ulisses
Introdução
Avançando ainda mais na saga abraâmica, o próximo episódio da jornada do patriarca demonstra um cumprimento parcial daquela promessa feita por Deus em Gn 12.7, e que fora confirmada em Gn 13.17, quando por ocasião da derrota dos reis que levaram seu sobrinho cativo, o patriarca vislumbra como o SENHOR levará a cabo seus planos de desterrar a terra de Canaã dos inimigos do povo de Deus, recebendo-a por símbolo da herança reservada para ele e para sua descendência.
Além disso, essa narrativa reforça a exortação de Deus para Israel, de que sob a benção do Deus vivo, haveriam de possui a terra prometida, se assim como Abrão, se propusessem confiar e descansar no poder de Deus que lhes entregaria os inimigos nas mãos de seu povo.
Hoje, veremos como o SENHOR encoraja seu povo, garantindo a vitória sobre os inimigos.
Elucidação
A guerra travada por Abrão contra os quatro reis que tomaram a cidade onde estava seu sobrinho, é a narrativa que prepara o caminho para a demonstração tanto do cumprimento das promessas de Deus (conforme já mencionado), quanto para o início de mais um ciclo do amadurecimento da fé de Abrão. Esse ciclo, não é repetitivo no sentido de acontecerem exatamente os mesmo fatos, mas um ciclo que garante progresso até que a fé de Abrão amadureça, ao ponto de confiar em Deus no tocante a um ponto crucial em toda sua jornada: a vinda do Descendente (Gn 22). Tal estrutura está alicerçada no seguintes movimentos referenciais:
1. Aliança - Promessa e bênção: Gn 12.1-3; Gn 14.19-20; 15.1, 4, 7, 18; 17.1-22.
2. Fé - demonstração de confiança: Gn 12.4; 13.8, 18; 14.22-24; 15.6; 17.23; 22.8.
3. Lapso - abalo na fé: Gn. 12.10-20; 16.4; 20.
4. Consolo - reafirmação da aliança: Gn 13.14; 15.1-7; 17.1-22; 22.15-18.
5. Misericórdia - sinais da bênção de Deus: Gn 12.20; 13.18; 15.4; 22.13.
A passagem em questão é mais um desdobramento do segundo ponto em que após o lapso na fé de Abrão e o SENHOR lhe ter aparecido animando novamente a fé do patriarca, este demonstra fé nas palavras de Deus, e age como que aguardando que proceda da parte de Deus a recompensa de sua espera, rejeitando obter riquezas das mãos dos homens.
Analisando o texto sob a ótica do autor original e do público primeiro à quem fora dirigido o texto, veremos a elucidação de uma questão que garante mais um reforço a exortação tencionada por Moisés. A designação que ocorre no texto do verso 13: "Abrão, o hebreu" pode ser melhor compreendida se percebida à guisa do conflito iminente entre os povos que habitam a terra de Canaã mas que foram julgados por Deus como indignos de seu favor devido seu proceder ímpio, e dessa forma, tiveram a expulsão decretada por Deus como sentença por seus pecados.
Moisés, adianta e afirma a ordem de Deus de possuir a terra, expulsando os povos que nela habitam, por meio da narrativa em que o próprio Abrão, confiando em Deus, derrota quatro nações de uma única vez, demonstrando assim, que não se trata de número, mas da promessa do SENHOR, que vigora e será executada por instrumentalidade de seu povo.
Toda a narrativa se desenrola, desenvolvendo a tensão entre a guerra dos reinos cananitas que culmina com a captura do sobrinho de Abrão; Ló. Contudo, o ponto focal da narrativa está localizado na parte final da trama, quando um personagem se apresenta: Melquisedeque, rei de Salém.
A apresentação do personagem (Melquisedeque) é feita de maneira rápida e resumida, porém, seus títulos são cruciais para lançar luz sobre a narrativa tanto focal (i.e. a história de Abrão) quanto para o escopo narrativo maior que engloba a história de Israel e de todo o povo de Deus. Melquisedeque é o rei de Salém, que posteriormente será identificada como a própria capital da monarquia davídica: Jerusalém. Essa conexão é importante, quando vista da perspectiva que os próprios autores bíblicos tinham com relação a esse indivíduo. A figura de Melquisedeque será citada no Salmo 110 num contexto semelhante ao da passagem de Gênesis 14:
"O Senhor jurou e não se arrependerá:
Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedeque (Sl 110.4)".
O contexto que vincula ambas as passagens, além da citação do nome do personagem, é a promessa de vitória sobre os inimigos de Deus - e consequentemente do povo de Israel - (Sl 11.2). Além, disso, é dito a respeito de Melquisedeque que ele "era sacerdote do Deus Altíssimo" (Gn 14.18). Alguns comentaristas sugerem que na verdade Melquisedeque e sua relação com Abrão, expõe uma tentativa sincrética de fusão entre o Deus de Abrão: YHWH, e a entidade adorada por Melquisedeque, que ele chama de "Deus Altíssimo" (hb. lit. "אֵ֣ל עֶלְיֹ֔ון" = transl. "El Elion"). Porém, é pouquíssimo provável que os autores bíblicos posteriores relacionassem Melquisedeque à algum tipo de adoração pagã, ou que fossem justificar essa relação sincrética, algo extremamente condenável em todo o Antigo Testamento. A interposição do personagem como um rei-sacerdote é melhor compreendida na relação contextual, usada inclusive por Moisés como reforço à suas exortações através do Texto: Após Abrão receber da parte de Deus um consolo e ânimo na fé, quando este lhe reafirma a possessão da terra em que está (Gn 13), o episódio seguinte mostra uma incursão de Abrão pela terra prometida, vencendo inimigos que habitavam aquela região. A narrativa seria então um esquema estrutural (assim como o capítulo 12.10-20) em que Abrão prefigura o povo de Deus na recepção das bênção prometidas pelo SENHOR: Abrão em Gn 13, deveria olhar para os quatro cantos da terra em que estava, pois tomaria posse dela. Em Gn 14, ele percorre a terra, espoliando os inimigos, assim como deveria fazer Israel que estava rumando para a terra de Canaã. Melquisedeque é o mediador da relação entre Abrão e Deus, reconhecido pelo patriarca como superior, tendo oferecido o dízimo; símbolo da submissão e reconhecimento do patriarca de que somente o SENHOR é o único Rei, e que somente através do cumprimento de suas promessa redentivas ele obteria sua herança.
A mediação de Melquiseque é um também um adiantamento tipológico da mediação realizada por Cristo Jesus, o Sumo Sacerdote superior ao próprio Melquisedeque, mas pertencendo a sua ordem (um rei-sacerdote), isto é, através de Cristo, as bênçãos prometidas por Deus a Abraão são cumpridas e entregues ao povo, por meio de sua vitória na cruz, quando derrota todos os adversários de Deus e do seu povo, garantindo-lhes a redenção.
Há apenas duas referências intra-canônicas em relação ao texto em análise, e ambas giram em torno da figura de Melquisedeque. A primeira, como exposto, é o salmo 110. Após a consideração feita anteriormente em relação a essa referência, o arcabouço contextual do salmo, elucida a próxima passagem referência do texto de Gn 14: Hebreus 7.1-10.
O salmo 110 por ser um salmo davídico, lança luz sobre a progressão revelacional do plano redentivo que vem sendo executado por Deus desde Gênesis 3.15. A promessa de um descendente feita a Adão e Eva é expandida a partir de Gênesis 12.7, quando um descendente em específico é mencionado como herdeiro das promessas de Deus para Abrão, sendo o responsável por fazer este desfrutar de tais promessas. Como veremos mais adiante, a respeito desse descendente é dito que exercerá também a função real (Gn 17.16). A linhagem real davídica encerra o percurso histórico através do qual o trono de Deus vai sendo ocupado por todos aqueles que lançam luz sobre aquele que deve permanentemente assentar-se sobre o trono: Cristo Jesus. Porém, a figura de Melquisedeque, como visto, funde dois papéis ou ofícios num mesmo indivíduo, tornando assim seu reinado-sacerdócio único ao longo de todo o texto bíblico, muito embora, vejamos no decurso da história redentiva, que o próprio Davi exerceu brevemente dois ofícios, como o de rei e profeta (At 2.30). Entretanto, como já dito, essas funções foram momentaneamente exercidas por Davi, não eram ofícios que lhe pertenciam de maneira fixa, como é o caso de Melquisedeque.
Tal perspectiva serve de fundamentação argumentativa para o escritor da carta aos hebreus, quando demonstra que o sacerdócio de Cristo é superior ao sacerdócio levítico, por uma razão muito simples:
Considerai, pois, como era grande esse a quem Abraão, o patriarca, pagou o dízimo tirado dos melhores despojos. Ora, os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm mandamento de recolher, de acordo com a lei, os dízimos do povo, ou seja, dos seus irmãos, embora tenham estes descendido de Abraão; entretanto, aquele cuja genealogia não se inclui entre eles recebeu dízimos de Abraão e abençoou o que tinha as promessas. Evidentemente, é fora de qualquer dúvida que o inferior é abençoado pelo superior (Hb 7.4–7).
Antes do sacerdócio levítico ser instituído um sacerdócio superior já havia sido prenunciado, e essa superioridade é atestada por ocasião do pagamento do dízimo de Abrão a Melquisedeque (Gn 14.20). O autor aos hebreus então aponta que Melquisequede é um tipo de Cristo, pois assim como o Redentor - que é antes de todas as coisas - o rei de salém aparece na narrativa sem menção ao seu início (i.e. uma genealogia prévia (Hb 7.3) ou a sua morte, o que indica que seu sacerdócio, figuradamente, não teve interrupção, como é o caso do sacerdócio levítico que cessa por ocasião do exílio, e principalmente, devido a chegada do Sumo Sacerdote que oferecerá um sacrifício também superior.
Outro ponto que garante a superioridade é a representação usada pelo autor aos hebreus com relação a descendência de cada sacerdócio. Abrão, por ser o progenitor dos Israelitas - e consequentemente da tribo de Levi - representa o sacerdócio levítico (Hb 7.5-6). Entretanto, é abençoado por Melquisedeque, o que o coloca com inferior ao primeiro pois "o inferior é abençoado pelo superior" (Hb 7.7). Posteriormente o argumento cresce rumo à Cristo e sua excelência como sumo sacerdote superior, quando é dito que Cristo não descende de Levi (Hb 7.13-14), portanto seu sacerdócio não é segundo a ordem aranônica, mas, segundo a repetição da citação do texto do salmo 110.4 ligado a procedência de Cristo da tribo de Judá (tribo que recebe a promessa de comportar a linhagem real que culminará no Redentor (Gn 49.10), conecta-se mais uma vez Melquisedeque (e consequentemente Cristo) à Davi, como que aludindo à uma "ordem de sacerdócio real".
O autor ainda menciona o fato de que a própria instituição do sacerdócio levítico segundo a ordem de Arão, não era "perfeita" (gr. "τελείωσις" = "completa", "consumada"). Assim, Melquisedeque representa um sacerdócio superior, um sacerdócio que fará a mediação perfeita entre Deus e seu povo, garantindo-lhe o usufruto das bênçãos prometidas no AT, principalmente ao patriarca Abrão, por ser Cristo o Rei-Sacerdote que media perfeitamente essa relação e garante a execução dos planos redentivos.
Assim, como demonstra a sequência do episódio:
Ao ser confrontado com a escolha entre a bênção espiritual de Melquisedeque, rei de Salém, e a recompensa material de Bera, rei de Sodoma, Abrão opta pelas bênçãos espirituais, em reconhecimento à fonte de sua vitória (Gn 14.17–24) (CARDOSO, 2014, p. 41).
Abrão mantém-se confiante na promessa de que Deus é sua herança, preferindo aquilo que provém do SENHOR, ao que poderia advir de uma aliança com homens ímpios, uma escolha que se mostra mais uma vez contrastante com aquela feita por seu sobrinho Ló (Gn 13.11,13).
Abrão reconhece Melquisedeque como o mediador entre ele e Deus naquele momento, e demonstra sua fé na provisão divina, dando a Melquisedeque "a parte do rei"ou o dízimo.
Transição
O texto de Gênesis 14 , mostra-nos como o SENHOR é misericordioso, dando a seu servo Abrão uma amostra daquilo que futuramente aconteceria aos seus descendentes na terra que lhe havia prometido dar em detrimento de todos os grandes povos que lá habitavam. A conquista de Abrão sobre 4 reis cananitas, demonstra a bênção reservada para aqueles que confiam no SENHOR.
O texto convoca-nos a não temer os inimigos, pois aquele que prometeu a redenção nos está guiando à vitória através de seu Rei-Sacerdote: Cristo Jesus.
Aplicação
Não devemos temer os inimigos, enquanto os SENHOR nos faz peregrinar pela terra que nos prometeu restaurar, onde habitaria com seu povo para sempre.
Já temos dito que a história de Abrão serve de paradigma para a narrativa de todo o povo de Deus. O Criador também prometeu-nos vitória sobre os inimigos e adversários que se rebelam contra ele, assim como eram os povos contra os quais Abrão teve de lutar em Gn 14. Porém, segundo a mediação de Cristo, nossa vitória é certa.
O temor de viver num mundo caótico nos assola constantemente, e frente ao seu aparente poder destrutivo, ficamos assustado. Um exemplo disso é o que está acontecendo nesse momento no Afeganistão: irmãos nossos estão se deparando com um forte inimigo: um grupo terrorista assumiu o controle político da nação, e está oprimindo aquelas terras com ameaças de perseguição e morte. Mediante essa circunstância, mesmo nós, tão distantes geograficamente, ficamos pensativos e hesitantes com relação a nossa fé, pois, embora não estejamos sendo vítimas de uma guerra civil-religiosa (como é o caso do Afeganistão), convivemos com outras forças que querem nosso mal tanto quanto. A mídia, a cultura, propagam valores que não somente vão de encontro com o que confessamos, mas também nos transformam em inimigos a serem odiados.
Frente a tudo isso nossa fé se abala, e começamos a duvidar das promessas de Deus: será que de fato há uma herança a ser recebida?, será que há um novo céu e nova terra após esse mundo?, será que haveremos de nos encontrar com nosso Deus num mundo novo onde habita a justiça?, essas e outras perguntas são respondidas não por nós mesmos, mas pelo próprio Filho de Deus: Cristo Jesus. Aquele que medeia nossa relação com Deus, como enviado dele, sendo o Rei-Sacerdote que além oferecer perfeito sacríficio para nos remir, conquista os adversários, entregando-nos a sua herança, garante a vitória final. Como diz o apóstolo Paulo, os inimigos do SENHOR serão destruídos "pelo sopro de sua boca (2Ts 2.8)".
Demonstramos firmeza em nossa fé, não esmorecendo no serviço ao SENHOR, e principalmente, rejeitando as ofertas lisonjeiras desse mundo. Abrão não aceitou os espólios de guerra oferecidos pelo rei de Sodoma, pois sabia que estaria se associando aqueles que enriquecem para sua própria perdição, sendo rebeldes ao único e verdadeiro Rei. Quando rejeitamos o pecado diariamente, participamos todos dessa vitória que o SENHOR conquistou para nós, e juntos, proclamamos que somente o SENHOR é Rei!
Conclusão
Cristo Jesus, o sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, aquele está assentado no trono de Davi, segundo as Esrituras, garante-nos a vitória. Não temamos o mundo, não temamos nossos inimigos, mas juntos com nossos irmãos, brademos que:
"O reino do mundo se tornou de nosso Senhor
e do seu Cristo,
e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Ap 11.15).