Gênesis 4.1-16

Série expositiva no Livro de Gênesis  •  Sermon  •  Submitted
0 ratings
· 38 views

A partir do capítulo 4, o desenvolvimento histórico-redentor dá-se por meio da progressão das linhagens mencionadas em 3.15 - a linhagem da serpente e da mulher - dando o tom conflitante que percorre toda a Bíblia até a redenção em Cristo, conforme fora prometido.

Notes
Transcript
“São estas as gerações ...” (Gênesis 10.1).
Gênesis 4.1-16
Pr. Paulo Rodrigues
Introdução
Imediatamente após a queda da raça humana em Adão, como já dito, segue-se toda uma narrativa de relatos que apontam para como pecado se desenvolveu na mesma, através tanto de seu teor fatalista (tal como é apresentado na narrativa destacada) legando não somente a morte natural, mais também o assassinato como resultado da corrupção e deturpação dos desígnios do coração do homem.
Elucidação
A partir desse ponto, podemos enxergar o livro de Gênesis através de um progresso em que o pecado se dissemina, e também o desenvolvimento da promessa de redenção:
Do Éden à Babel existe uma sempre crescente ‘avalanche’ de pecado, um movimento de desobediência em direção ao assassínio, à matança indiscriminada, à luxúria titânica, à total corrupção e violência, ao completo rompimento da humanidade.
Como demonstrativo de que o pecado se alastrara rapidamente aos descendentes de Adão e Eva, conforme havia sido estabelecido por Deus no momento em que decretou a aliança com o homem, visto ser Adão o representante de toda a raça, conforme também pode ser averiguado no uso que o apóstolo Paulo faz da temática dos “dois Adãos”; tendo o primeiro pecado e legado a corrupção a toda sua posteridade, e o segundo (Cristo) tendo obedecido, proporcionou vida ao povo eleito de Deus, Moisés desenvolve a narrativa tendo essa noção como escopo para essa porção do texto.
O alcance dessa degeneração não tarda, portanto, em aparecer nas páginas das Escrituras. Logo após o lapso de Adão no capítulo 3, a narrativa segue com uma introdução bastante peculiar. Eva concebe um filho. É assim que se inicia o capítulo 4. E diante desse fato, grande expectativa é lançada sobre ele. Isso pode ser percebido através da celebração registrada no versículo 1b: "Esta [Eva] concebeu e deu à luz a Caim; então, disse: Adquiri um varão com o auxílio do SENHOR". Esta ênfase de Eva, demonstra um entendimento sobre a promessa feita a ela por Deus em Gn 3.15, de um redentor vindo de sua semente. Caim era esperado como sendo aquele que poria fim ao exílio e ao pecado. Depositando sua esperança no cumprimento da promessa feita por Deus, que não a privara de dar a luz, o pensamento imediato de Eva é que de o filho que gerou seria aquele personagem prometido que a livraria do exílio da presença de Deus, e poria fim a agonia da vida em pecado que agora faz parte de sua realidade por causa de sua rebelião contra o SENHOR.
Entretanto, também em face da narrativa anterior, especificamente na promessa de inimizade ente duas sementes ou linhagens, o texto continua demonstrando um novo parto ou a chagada de outro filho de Eva. Naturalmente, o primeiro casal gerou outros filhos, porém, apenas três são nomeados e destacados na narrativa, sendo dois apontados no texto destacado. O Segundo filho, Abel, nasce, e pode estar contida aqui a rivalidade que fora mencionada pelo SENHOR em Gn 3.15, conforme elucida Waltke:
A batalha profetizada entre a semente da Serpente e a semente da mulher já é evidente em sua prole. Ainda que Adão e Eva tenham sido restaurados para Deus, têm duas sementes distintas mesmo no seio do lar pactual. O princípio da primogenitura, o favoritismo do primeiro, é rejeitado.
O leitor que continuasse apreciando os fatos narrados por Moisés, poderia ser, numa primeira vista, levado a concordar com Eva e ser achando que Caim de fato era o personagem prometido pelo SENHOR para inaugurar a redenção. Porém, com a chegada do segundo filho, as dúvidas são lançadas, mas logo dissipadas, pois com o oferecimento de ofertas, as linhagens são reveladas.
A adoração ao Criador era uma prática já estabelecida e convencionada, segundo o uso da expressão “וַֽיְהִ֖י מִקֵּ֣ץ יָמִ֑ים” (trd. hb. “passados os dias”), e o modo como oferecer é destacado no texto. Moisés destaca a oferta de Abel sobre a de Caim, quando aquele traz da “primogenitura do rebanho, e a sua gordura”, enquanto este apenas o fruto da terra. A excelência da oferta reflete o sentimento de reconhecimento de Deus como superior e assim, a quem é devida obediência e adoração. Frente a isso, a oferta de Abel é aceita por Deus, enquanto a de Caim é rejeitada.
Ao passo que sua oferta é rejeitada pelo Criador, Caim se ira. Contudo, o destaque no texto é que ao irar-se Caim estava dando em seu coração espaço ao pecado, conforme nota-se na exortação do SENHOR a ele: “Não será que, fazendo o bem, serás aceito? Se, porém, não fizeres o bem, o pecado está à porta, e o seu desejo é para ti, mas deves dominar sobre ele” (v.7). O mal que habitava o coração de Caim por causa da natureza corrompida não somente revela-se, mas demonstra a inimizade a qual já mencionamos antes. A transgressão não é tentadora a Caim somente inflamando seu coração com ira, mas instigando-o contra seu irmão, o qual, tendo Caim se rebelado contra o SENHOR não obedecendo suas palavras, mata. A relação do desejo que jazia no coração de Caim aparece com um estrutura semelhante àquela que é demonstrada no capítulo 3.16 em relação a pena aplicada à mulher: e o seu desejo é para ti, mas deves dominar sobre ele (Gn 3.16b). Da mesma forma como o pecado gera no coração da mulher o desejo de dominar sobre o homem, assim o pecado tenta dominar o coração de Caim, porém, é dever dele sobrepujá-lo, o que claramente não faz.
Após o assassinato de seu irmão, um inquérito é aberto, da mesma forma como aconteceu com Adão e Eva. Os paralelos entre as narrativas da queda de Adão e a de Caim, reforçam a ênfase do texto quanto a transmissão do pecado. Porém, também é reforçado aqui a ação divina em puni-lo da mesma forma que ocorreu com o primeiro casal. Tendo sido inquirido pelas suas ações, Caim age da mesma forma que seu pai; buscando escusar-se da culpa: “ele respondeu: não sei. Sou acaso guarda do meu irmão?” (v.9b).
Visto que a estrutura de inquérito é semelhante, conforme abordamos na análise sintático-teológica, as cláusula punitivas também se assemelham aquelas deferidas contra Adão e Eva: “maldito és...!”, com um alarmante diferencial: Caim é vinculado a linhagem da Serpente, pois sobre Adão e Eva não foram proferidas palavras de maldição diretamente ligadas às suas pessoas, o que ocorreu em relação a Caim, e a expressão que fora usada para Adão em relação a sua sentença, é abreviada e aplicada contra aquele: “Lavrando tu a terra, ela não dará seu vigor a ti; serás fugitivo e errante sobre a terra” (v.12). O símbolo da maldição do pecado para Adão e seu castigo foi sobreviver enfrentando dificuldades em seu sustento, visto que agora a criação lhe é hostil. Caim também sofrerá quando a terra não desejará mais dar-lhe o vigor ou força; terá de peregrinar errante pela terra juntamente com o estigma da corrupção e da rebelião que perpetrou contra o Criador, à imagem de seu pai.
Por fim, também de maneira parecida com a maldição posta sobre Adão, a demonstração clara da ira divina sobre Caim é o banimento da presença do SENHOR, como expomos no item 2.5: “E saiu Caim da face do SENHOR, e habitou na terra de Nod, a oriente do Éden” (v.16).
Lidamos aqui não somente com o relato da transmissão e progressão do pecado na raça humana, mas também o desenvolvimento da antítese e da guerra entre as duas semente, tal qual fora destacado em Gn 3.15. Para entendermos isso, é necessário que observemos como os escritores bíblicos interpretaram esse episódio.
O apóstolo João em sua primeira carta percebe a distinção genealógica entre as duas linhagens, e de maneira categórica destaca Caim como sendo “do Maligno” (1Jo 3.12), e por ser do Maligno, assassinou seu irmão, Abel, que por sua vez é destacado o livro de Hebreus como pertencendo a galeria dos heróis da fé, por ter oferecido “mais excelente sacrifício do que Caim, pelo qual obteve o testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas” (Hb 11.4). Embora o ato de Caim tenha sido o de matar seu irmão por causa da oferta, o teor teológico que a Escritura elucida é o de que o primeiro assassinato ocorreu pela rivalidade entre as duas sementes: aquela que descende do próprio Deus, e aquela que pertence a Serpente.
Com tom semelhante, Judas em sua carta elabora o conceito de distinção entre os verdadeiros crentes e os falsos mestres, usando Caim como exemplificação da natureza destes: “Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisa se corrompem. Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim” (Jd 10-11).
Apreendemos das Escrituras que a narrativa da rebelião de Caim contra Deus, assassinando seu irmão Abel, faz parte de um enredo que classifica as duas linhagens que a partir do trecho destacado, permearão toda a raça humana. Também é claro o ensino de Moisés ao povo de Israel (seu público-alvo) quanto ao desdobramento do pecado e a demonstração de que as punições ao mesmo seguem-se à sua prática, de sorte que todo pecado praticado terá a devida punição, à semelhança do que aconteceu com Adão quando quebrou e violou a aliança com o SENHOR. Porém, também com esse relato, Moisés reforça aquele primeiro princípio – a rivalidade entre as sementes – a fim de demonstrar a partir daqui como se desenvolvem a formação dos povos aos quais Israel terá de lidar ao adentrar a terra prometida de Canaã, visto serem descendentes de Caim, aquele que pertencia a Serpente, e por tanto, era inimigo de Deus. Ao passo que Moisés traçará as origens do povo de Israel, também o fará em relação aos povos estranhos que serão expropriados por causa de seu pecado da terra de Canaã, que por sua vez será entregue nas mãos dos filhos de Israel, que foram eleitos pelo SENHOR e estão em um relacionamento pactual com ele.
Como visto antes, dentre os descendentes de Adão e Eva, está dois grupos que embora convivam, pertencem espiritualmente a linhagens diferentes e opostas. Há uma rivalidade nata entre aqueles que foram chamados por Deus para a salvação, e aqueles que foram deixados em seu estado natural de rebelião.
Como exibido na ação de Caim, tal foi a inseminação do pecado no coração do homem, que como comparado a um animal à espreita, o pecado sempre estará a porta do coração do homem, a fim de que por meio de suas ações, venha à luz após a tentação, dando origem à morte e a destruição (Tg 1.15).
Os dois temas tratados são desenvolvidos por Moisés nesse texto de Gn 4.1-16: a transmissão do pecado à raça humana, e o aparecimento da hostilidade criada em Gn 3.15, conforme nota da Bíblia de Genebra:
A profetizada hostilidade entre a descendência da serpente e o descendente da mulher, toma forma imediatamente na hostilidade do ímpio Caim contra o piedoso Abel. [...] O enfoque recai sobre Caim, o arquétipo dos seguidores de Satanás. Caim demonstra sua familiaridade com o mal pela sua hostilidade contra Deus e pelo assassinato de um homem bom, juntamente com suas mentiras.
A animosidade entre as sementes é palco da guerra que proporcionará o triunfo de Deus e seu Ungido sobre seus adversários. Por um lado, temos no texto a narrativa do alcance que o pecado vai logrando na raça humana conforme se multiplica, e por outro, as condições para o surgimento do Messias vão sendo estabelecidas, e o percurso histórico que culminará da redenção vai sendo pavimentado.
Entretanto, isto não deve frutar-nos de observar os desdobramentos focais da narrativa ao contemplar os efeitos miméticos que o pecado causou a humanidade, qual seja, à semelhança do pecado de Adão, o homem agora corrompido pelo erro, replica a atitude daquele sempre se rebelando e cedendo à tentação do pecado em seu coração. O salário do pecado é a morte (Rm 6.23), e infelizmente, o seguimento da história começa marcado por um assassinato. Em seu desejo de se rebelar contra Deus, aquele conhecimento do pecado que, tendo sido manipulado, foi cobiçado por Adão e Eva, tornou-se inerente a natureza do homem.
Caim faz aquilo que lhe é natural, pois é pecador, porém, o texto claramente demonstra que era também sua incumbência resistir a tal instinto. A explicação notória é a de que ele cometeu tal pecado por inveja de seu irmão, inveja essa que escondia por trás o ódio da serpente por aqueles que descendem do próprio Deus.
Transição
De acordo com o Texto de Gn 4.1-16, o pecado não é meramente algo que ficou restrito a ação de Adão e Eva, mas provocou uma deturpação na própria natureza do homem, e também uma divisão latente em toda ela, que percorre a história através de uma guerra entre aqueles a quem fora dirigida uma palavra de esperança e êxodo de seu estado de pecado, e aqueles a quem fora deferida a sentença de morte por se rebelarem contra Deus, seguindo as ardis propostas de Satanás. Porém, o texto possui outras aplicações à nossas vidas:
Aplicações
1. O pecado está presente em nós, pois foi transmitido pelos nossos primeiros pais.
Diferentemente do que pensam alguns que afirmam simplesmente que o homem é produto do meio em que vive, o que justificaria suas atitudes negativas, tendo aprendido com outros o erro e o vício, a Escritura Sagrada estabelece para nós que o pecado é algo que espiritual e ontologicamente foi legado a nós pela transgressão e queda de nossos primeiros pais.
Os homens não aprendem a pecar por verem outros pecando, mas explicitam as tendências naturais de seus corações todas as vezes que cometem crimes e barbáries. Numa tentativa tosca de suavizar a culpa e desvirtuar a narrativa bíblica, muitos intentam descrever o pecado como um fenômeno causado pelo simples motivo de nos expormos a hábitos reprováveis. Devemos rejeitar esse tipo de discurso através da verdade que nos é exposta pela Palavra de Deus: tendo em vista que a raça humana estava ligada toda a Adão, seu representante federal, assim, se ele caiu e pecado, todos nós também caímos, e reproduzimos sua atitude rebelde constantemente.
Caim mata seu irmão não pode ter aprendido a matar com alguém, mas porque não dominou pecado em seu coração. Da mesma forma, o pecado é uma responsabilidade nossa. Os desejos pecaminosos sempre estarão a espreita, ou como coloca o texto “à porta”, esperando o momento certo de, através da tentação, ganhar espaço no nosso coração, a fim de fazer com que nos levantemos contra o SENHOR nosso Deus por meio de ações maléficas e odiosas.
Cumpre a nós, vigiar e buscar sempre a aprovação de Deus obedecendo aos seus estatutos e juízos, pois a nós, filhos de Deus foi dado o poder para sobrepujar a influência do pecado. Essa resistência sempre se resumirá em fazer prevalecer o senhorio de Deus em nossa vida, isso através dos meios de graça que Cristo conquistou para nós. Não há como vencer o pecado sem uma vida de constante adoração e devoção ao SENHOR, por meio da oração, leitura das Escrituras, presença na casa de Deus para o culto, recepção dos sacramentos e outras formas que o Espírito de Deus usa para ministrar forças a fim de que não cedamos as astutas propostas do pecado.
2. O mundo está inevitavelmente divido em duas linhagens: os que descendem da serpente e os que procedem de Deus. Não há como pacificar essa relação.
No fim, como vimos, a Escritura salienta que Caim matou seu irmão Abel, por que as obras deste eram justas; pelo fato de seu irmão ter sido aceito por Deus, e ele, rejeitado. A guerra profetizada em Gênesis 3.15 vai ganhando forma a partir do texto que lemos.
Não podemos ser ingênuos a ponto de achar que a Escrituras está simplesmente elucidando para nós uma “história trágica”, mas sem implicações para nossa vida. Lá fora a guerra continua, entre os filhos de Deus e os servos de Satanás. Sempre haverá inimigos do SENHOR que militam contra seu governo e seus estatutos.
A associação com os filhos da serpente sempre trará danos para nossa vida, pois eles são guiados pelo extinto natural de provocar a desordem e destruição, assim como ocorreu com Abel, morto pelo seu próprio irmão. Ficará a dúvida quanto a que nível de relação podemos então ter com pessoas descrentes. A resposta clara está estampada nas Escrituras: sempre que nos comprometemos em termos de nossa devoção, ou sempre que está em jogo a obediência ao SENHOR, deveremos nos distanciar de relações com os ímpios. Unir-se de alguma maneira aos servos da Serpente, de forma a expor nossos princípios ao perigo de serem diminuídos a fim de que se estabeleça a relação, além de uma afronta a Palavra do SENHOR, configura-se uma tentativa fútil de pacificar luz e trevas. Não se engane: esses dois povos jamais se unirão ou serão pacificados.
Enquanto Cristo não voltar para dar cabo finalmente de Satanás, viveremos a guerra iniciada em Gênesis 3.15, e devemos estar prontos para ela. Vivendo sempre alertas, pois as artimanhas do inimigo sempre serão as de infiltrar seus princípio nefastos através dos meio de comunicação e entretenimento. Princípios deturpados, a agenda globalista que promove todo tipo de perversidade e práticas hediondas, tudo isso de maneira muito atrativa, transparecendo algum viés de verdade e justiça, mas que esconde por trás um abismo de pecado e rebelião contra o Criador e seu reinado.
Para os filhos da Serpente, está reservado o banimento e a humilhação da derrota certa. Para os filhos de Deus, o galardão da graça do SENHOR na redenção executada pelo Pai, Filho e Espírito Santo.
Conclusão
O texto de Gênesis 4.1-16 nos mostra os efeitos contínuos do pecado na raça humana, e como esse pecado dividiu os homens em duas facções rivais, porém com destinos traçados desde o início da guerra: aos filhos de Deus, a vitória através do ente prometido, Cristo, que triunfa sobre os adversário e reina absoluto sobre a criação. Aos filhos da Serpente, assim como seu cabeça, a derrota e a humilhação que culminação na punição eterna de amargar a ira divina por toda a eternidade. Glória ao Deus Triuno que vence e reina para todo o sempre.